Os tiozões do rock estão errados: vinil não é melhor do que CD!
Não é muito difícil, nos dias de hoje, nos depararmos com sujeitos de meia-idade – e até com gente mais nova mesmo, na casa dos vinte e tantos anos, por exemplo – entusiastas de formatos de áudio antigos. Entre estes, sem sombra de dúvida, o que faz mais a cabeça da galera é o disco de vinil. Saudosistas e nostálgicos, tais colecionadores, amiúde, defendem tenazmente que o vinil, uma mídia analógica, é bem superior ao CD, cuja tecnologia é digital. Além do mais, dizem que o primeiro possui um som mais “quente”, que reproduz mais fielmente aquilo que se faz em estúdio, que tem graves mais poderosos, distinção mais perceptível entre notas altas e baixas, etc.
Sem falar que esses tiozões do rock – a maioria deles tem em alta conta o bom e velho rock and roll, cultuado como uma deidade – nutrem verdadeira ojeriza pelos serviços de streaming, a exemplo do Spotify, YouTube Music, Deezer, Tidal, entre outros, responsáveis por difundir arquivos com compressão de dados, que, segundo eles, seriam sempre de “péssima qualidade”, “indigestos”.
O mais pitoresco de tudo isso é que não há, por parte dos aficionados por vinil, quaisquer outras justificativas para endeusá-lo senão seu próprio gosto pessoal e suas preferências estéticas, que estão intimamente ligados a uma visão sentimental e, portanto, bastante idealizada do passado. Parece que esses indivíduos, que ostentam um carrancismo muitas vezes agressivo – vide os comentários raivosos feitos nas redes sociais e nos fóruns virtuais –, ainda vivem entre as décadas de 1950 e 1980, quando o vinil, de maneira geral, reinava, sobranceiro.
Porém, para resolvermos, de uma vez por todas, a polêmica vinil X CD, temos que sair da zona de conforto de cada dia, do mero âmbito da compreensão, formado única e exclusivamente por nossas opiniões e crenças, e adentrar no domínio do conhecimento, ou seja, da ciência, das verdades racionalmente testadas e demonstradas. E aí, caro leitor, pronto para a empreitada?
Comecemos pelo quesito faixa dinâmica. Mas, afinal, em que ela consiste? Recorramos a uma explicação bem simples e direta, sem o intrincado vocabulário técnico da área: trata-se da diferença entre os sons mais baixos e mais altos, o que diz muito acerca do detalhamento do áudio, contribuindo, assim, para sua melhor – ou pior – qualidade. Grosso modo, o vinil tem uma faixa dinâmica de apenas 70 dB; o CD, de 96 dB – o decibel (dB), para quem não sabe, é a unidade de medida da intensidade do som. O que isso quer dizer? Sobretudo na música erudita, quando temos em mente as orquestras e filarmônicas, que usam e abusam de variações repentinas de notas mais graves para notas mais agudas, uma maior faixa dinâmica é simplesmente indispensável! Graças a ela, pode-se ouvir, de forma bem mais nítida e clara, a contribuição de cada instrumento para o – digamos assim – todo musical.
Não é à toa mencionar que o renomado cientista James Russell (1931 –), criador do Compact Disc (CD), que foi lançado no mercado mundial em 1982, era um profundo conhecedor e admirador da música erudita, a qual, de acordo com ele, não podia ser devidamente apreciada no formato de disco de vinil, pelas limitações e problemas inerentes a este. Outrossim, Scott Metcalfe, perito em Ciências da Gravação do Conservatório de Peabody, nos Estados Unidos, admitiu, há alguns anos, sem titubear, que a música popularmente conhecida como “clássica” ganhou – e muito – com o advento do CD.
Até agora, como o leitor já pôde notar, o CD está em plena vantagem no tocante ao vinil. Mas o que dizer acerca do alcance de frequência de cada um desses formatos de áudio? Mais uma vitória acachapante do áudio digital sobre o analógico: enquanto o antigo “bolachão” abarca frequências de 100 Hz a 40 KHz, o disco óptico, numa taxa de amostragem de 44KHz a 16-bit, encerra frequências de 20Hz a 20KHz (taxa de amostragem diz respeito à taxa de captura da gravação por segundo). Traduzindo: os sons mais graves têm muito mais robustez e fidelidade no CD (20 Hz) do que no vinil (100Hz). Isso provém das próprias restrições do meio físico deste, cujos sulcos ou ranhuras “lidos” pela agulha do toca-discos não comportam sons de frequência muito baixa – se esses sons fossem nele inseridos, a agulha “pularia”, saindo do lugar e inviabilizando a reprodução adequada da música.
Ademais, não há, no CD, um meio de contato mecânico, mas, sim, óptico (o pequeno disco é “lido” por um canhão óptico), o que elimina os estalos e impurezas tão característicos da reprodução do vinil, na qual a agulha sempre “lê” “corpos estranhos” à gravação da música (poeira, sujidades, etc.) e, com o tempo, desgasta, substancial e irremediavelmente, a mídia.
O que se pode mencionar a respeito da vantagem do vinil em relação às frequências mais elevadas, aos chamados harmônicos (lembremos: 40 KHz contra 20 KHz do CD)? A audição humana, conforme asseveram os especialistas no assunto, estende-se, em média, de 20 Hz a 20 KHz, justamente a gama de sons reproduzida pelo disquinho óptico. Isto é, tudo o que estiver abaixo ou acima disso se torna inaudível para qualquer vivente, até mesmo para os vetustos audiófilos, com seus putativos “poderes mágicos”. Em suma: a superioridade do vinil nos sons mais agudos só pode ser desfrutada por alguns animais não humanos, como é o caso dos cachorros, que têm uma audição bem mais aguçada do que a nossa. Pena eles não disporem da faculdade cognitiva da linguagem articulada, a fim de registrar uma experiência tão enriquecedora…
Outra opinião bastante difundida entre os apreciadores de vinis é aquela que, em alto e bom som, admite que a gravação analógica é mais fidedigna do a digital. Não há, porém, nenhuma evidência científica que sustente esse argumento. Com a evolução dos Conversores Analógico-Digitais, já em meados da década de 1980, as gravações digitais puderam ser efetuadas com desempenho ainda mais apurado. Neste meio, não se tem o tão característico ruído de fundo do som analógico, permitindo um acréscimo substancial de faixa dinâmica, tampouco o chamado efeito flutter, ou seja, a interferência do maquinário analógico na música, ocasionando variação de frequência em certos instrumentos, como, por exemplo, o piano. Em resumo, a gravação digital é tecnicamente superior e mais fiel àquilo que se faz em estúdio. É indiscutível! E mais: o que os tiozões do rock julgam ser a “quentura” do vinil, o que implica dizer que há “frieza” no CD (risos), é nada mais nada menos que um tipo de distorção harmônica, ou seja, mais uma “simpática” imperfeição do nosso estimado “bolachão”.
Quanto à compactação de dados dos arquivos de áudio dos serviços de streaming? Hoje, e isto é até uma obviedade para aqueles que se inteiram do assunto, há excelentes compactações, em diversos tipos de extensão (MP3, FLAC, Opus e AAC), que garantem a qualidade das músicas para quem é assinante desse tipo de serviço – e isso também está associado à maneira pela qual os arquivos de música são enviados ao streaming,e ao padrão de reprodução utilizado por ele. Entretanto, arquivos com compactações maiores e, portanto, tamanho menor, também podem ser acessados (dependendo da plataforma e do pacote comprado), o que, de fato, prejudica a audição das músicas, que perdem certos pormenores e matizes.
Uma última palavra a respeito da contenda entre o vinil e o CD: na reprodução do disco de vinil, de acordo com o engenheiro de som Bob Ludwig (1945 –), um dos mais renomados da indústria fonográfica internacional, à medida que se aproxima do centro – trata-se da chamada força centrípeta, não é mesmo? –, a agulha cobre cada vez menos centímetros de ranhuras ou sulcos por segundo, o que diminui a qualidade dos fonogramas, que perdem parte significativa das frequências mais altas. É por isso que as últimas músicas do “bolachão” são aquelas que soam pior, o que é perceptível para os ouvidos mais bem treinados. Outro gol de placa do CD, que não sofre desse “mal congênito”!
A que conclusão se pode chegar, caro leitor? Simples e objetivo: o CD é tecnicamente melhor do que o vinil – algo inelutável, pois, como vimos, já foi comprovado pela ciência. Todavia, essa constatação não invalida a experiência subjetiva dos colecionadores com o ato de ouvir vinis: há toda uma liturgia envolvida nisso, que mobiliza não apenas a audição (existem, inclusive, aqueles que amam o chiado característico da mídia!), como também outros sentidos: tocar e apalpar – parece até algo sexual! – a capa e o disco, tê-lo nas mãos, lavá-lo; sentir o cheiro marcante do PVC, material de que este é feito; e, por fim, deleitar-se com a arte de capa de uma mídia que, pelo seu próprio tamanho, superior ao da fita cassete e do CD, destina mais espaço para isso, tanto é que muitas capas de vinis são verdadeiras obras-primas.
Os tiozões do rock têm todo o direito de empilhar vinis por toda a casa; podem, do mesmo modo, gastar seis ou sete mil reais num toca-discos vintage – não há nenhum problema nisso, contanto que se tenha muita grana disponível. Estão livres, destarte, para rememorar afetivamente o passado e, de certa maneira, autoafirmar-se – de forma respeitosa, é óbvio! – diante das gerações atuais, para quem ouvir música tornou-se sinônimo de serviços de streaming e caixas bluetooth. O que não podem fazer, imbuídos de saudosismo, nostalgia e misoneísmo, é cometer o disparate de proclamar, a plenos pulmões, que o vinil soa melhor do que o CD, porque não é verdade!
Por Cosme Neto