Afeganistão, o imperialismo e o Talibã
“Meu Deus, livrai-nos dos venenos das cobras, do dente do tigre e da vingança dos afegãos.”
Antes de qualquer coisa, o texto que segue é o pagamento de uma dívida que contraí com o colega Leonardo Medeiros, professor de Matemática (IFRN), curioso, nos últimos dias, sobre a origem dos acontecimentos que envolvem o Afeganistão e, também, para saciar a curiosidade de alguns alunos que, durante as aulas de ontem, questionaram-me sobre os fatos ocorridos naquela país encravado na Ásia central.
É sabido que o Afeganistão foi assediado e invadido diversas vezes e, sempre, resistiu bravamente aos invasores, sem se dobrar a nenhum (https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57516844). Suas fronteiras e governo têm sido, ao longo de sua história, constantemente alvo de disputas, que remontam à antiguidade, quando Alexandre Magno tornou-se o primeiro líder ocidental a invadi-lo.
Depois de destruir a autonomia das cidades gregas e montar um império que se espalhou pela Europa, África e Ásia, chegando às margens do rio Indo, Alexandre encontrou no Afeganistão um dos seus maiores desafios, sofrendo derrota decisiva na batalha de Polytimetos, em 328 a. C., na região onde viviam tribos tadjiques, umas das principais etnias afegãs. Mesmo derrotado, o imperador nascido na Macedônia conseguiu fundar cidades, como Kandahar e Herat.
Os mongois também descobriram, da pior maneira possível, que não era fácil dobrar os afegãos, mesmo tendo ocupado o país por quase cinco séculos. Foi em terras afegãs que o neto de Genghis Khan pereceu, no século XIII.
Em 1838, a Grã-Bretanha, preocupada com a expansão da Rússia na Ásia Central e, temerosa de que as tropas russas entrassem no Afeganistão, fez o preposto inglês na Índia organizar invasão para ocupar Cabul, numa das mais desastradas e desastrosas campanhas militares na qual se envolveu o império no qual o sol nunca se punha. O exército britânico ocupou Cabul, mas o sentimento e a percepção de vitória foram fugazes, porque pouco depois foi expulso da região. No entanto, insatisfeitos e revoltados com a derrota, os britânicos retornaram a Cabul, libertaram os prisioneiros e destruíram quase que completamente a cidade, uma das páginas macabras da história britânica.
Exatamente quatro décadas depois, os britânicos tentaram novamente invadir o Afeganistão e ocupar Cabul e uma vez mais o pretexto era a presença desenvolta dos russos na região, estratégica para os interesses coloniais britânicos. Novamente derrotados, após mais de seis meses de batalhas, os britânicos constataram que o custo para dobrar os afegãos era alto demais. O risco, dada a volatilidade da região, com variadas tribos e etnias, era muito grande e, por isso, desistiram de ocupar o Afeganistão.
No final dos anos 1970, a União Soviética invadiu o território afegão, sofrendo resistência dura e tenaz. Em pouco tempo, o nível de brutalidade da guerra foi tal, com as ações guerrilheiras minando as forças soviéticas, que a presença delas no Afeganistão mostrou-se insustentável. É digno de registro que os guerrilheiros afegãos se tornaram mais eficazes a partir do momento que contaram com recursos oriundos da Arábia Saudita (família bin Laden, principalmente) e dos Estados Unidos, estes últimos interessados em fustigar o seu principal inimigo na arena política internacional, a União Soviética, o império do mal, como a ela se referia Ronald Reagan, presidente de dois mandatos nos Estados Unidos, abrangendo quase toda a década de 1980.
A ação de sauditas e norte-americanos fez a semente do grupo sunita Talibã germinar, derrotando os soviéticos (a derrota das tropas da União Soviética foi decisiva para a queda do império entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990) e assumindo, após anos de guerra civil, o controle do país, em 1996.
O pouco caso com que os Estados Unidos trataram o Afeganistão, pouco contribuindo para torná-lo uma nação fortaleceu o Talibã que, em menos de cinco anos, estava protegendo e disseminando o terrorismo em escala mundial, de que são exemplos maiores os atentados de setembro de 2001.
O vazio de poder deixado pela retirada soviética e a atuação desleixada dos Estados Unidos lançaram o Afeganistão numa guerra civil que, a rigor, pouco interessou o mundo ocidental, até que vieram os ataques terroristas aos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, ponto de partida para que os norte-americanos invadissem o país asiático, ocupando-o por quase duas décadas, movimento que torrou mais de um trilhão de dólares e consumiu a vida de quase 2,5 mil militares ianques.
A retirada às pressas das tropas dos Estados Unidos do território afegão, abriu a oportunidade para que o Talibã, que já controlava boa parte do Afeganistão, aumentasse a intensidade das investidas nas principais cidades do país e chegasse, no último domingo, a Cabul.
Antecipando sua jogada no tabuleiro da política internacional, a China já se pronunciou, apontando que reconhecerá o Talibã como representação legítima do governo afegão.
Tentando explicar a humilhação por que passa os Estados Unidos, comparável àquilo que viveu no Vietnã, em meados da década de 1970, o presidente Joe Biden lembrou que o Afeganistão é conhecido como “o cemitério de impérios” (https://m.folha.uol.com.br/mundo/2009/08/611960-guerras-renderam-ao-afeganistao-fama-de-tumulo-dos-imperios.shtml). A história confirma a assertiva exposta pelo presidente norte-americano, mas ela é dita, em grande medida, para que Biden possa retirar o braço da seringa, dada à sua ação intempestiva e atabalhoada.
Uma vez mais, os Estados Unidos demonstram não compreender equívoco frequente cometido em política: nem sempre o inimigo do meu inimigo é meu amigo. O exemplo atual do Talibã serve à perfeição para expor o erro dos Estados Unidos, que não levaram em consideração que aquele país não obedece à lógica de um Estado nacional, mas a uma lógica tribal.
Cedo, Joe Biden pode seguir o mesmo caminho do democrata Jimmy Carter, humilhado pelos iranianos há mais de quarenta anos e, por isso, precocemente envelhecendo o seu mandato.