Da beleza da arte
Polêmicas em torno de apresentações artísticas são antigas, vide o que ocorreu em 1922, na famosa Semana de Arte Moderna.
Nos últimos tempos, dado o quadro de radicalização em que vivemos, a coisa tem ficado mais acirrada.
Em 2015, a performance Macaquinhos, apresentada na 17ª Mostra Sesc Cariri de Culturas, em Juazeiro do Norte (CE), gerou muita polêmica. http://odia.ig.com.br/diversao/2015-11-23/grupo-de-teatro-faz-exploracao-anal-em-performance-e-gera-polemica.html Agora em 2017, o mesmo ocorreu com a exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, https://extra.globo.com/tv-e-lazer/santander-cultural-cancela-exposicao-queermuseu-cartografias-da-diferenca-na-arte-brasileira-21807796.html , e com a performance La Bête, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM). https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/interacao-de-crianca-com-artista-nu-em-museu-de-sp-gera-polemica.ghtml
Cheguei a me manifestar, nas redes sociais, sobre a última das três acima citadas. Disse que vislumbro algo feio e de mau gosto naquilo, nada artístico. Houve quem se indignasse com minha posição conservadora e “desembasada”. Antes de dar minha opinião sobre o assunto, porém, fui ler e reler muita coisa sobre Arte e outro tanto sobre Estética, o que continuo fazendo, agora por prazer.
Sou conservador, é fato, ao melhor estilo Edmund Burke, Arthur Schopenauer, Roger Scruton, etc. Não faço concessões, por ora.
A beleza é apontada como algo subjetivo, havendo também quem conteste tal visão.
A arte está presente na vida dos homens desde os primórdios da existência deles e quase sempre ocupou lugar de destaque em todas as civilizações que existiram.
A palavra estética, originária do grego aisthesia, passou a ser usada em meados do século XVIII por Alexander Baumgarten. O filósofo alemão tratava, inicialmente, da faculdade de sentir e/ou de compreender pelos sentidos, e logo depois como percepção da beleza, principalmente na arte. A beleza estética é, para ele, a perfeição, caminho seguido em linhas gerais por um outro alemão, Kant, que também utilizou a palavra estética para apontar os julgamentos de beleza, na natureza e/ou nas artes.
Em sendo assim, o ramo da Filosofia que estuda de forma racional os valores propostos pelas obras de artes e o sentimento que elas suscitam às pessoas é a Estética, que vai designar um conjunto de características formais que qualquer objeto ou apresentação artística assume.
A beleza, que é em última instância com o que se ocupa a Estética, não é algo eminentemente subjetivo. Os gregos, desde Platão e Aristóteles, para ficar nos dois maiores que deixaram escritos, buscaram fundamentar a objetividade da arte e da beleza. Há uma passagem clássica de Platão segundo a qual o filósofo grego diz existir o belo em si independentemente das obras individuais; para ele, as obras individuais devem buscar se aproximar do belo em si. Os clássicos renascentistas aprofundam esse pressuposto platônico e afirmam que existem regras para o fazer artístico a partir do belo ideal. Esta proposição é o marco inaugural da estética normativa, segundo a qual o objetivo artístico tem qualidades que o tornam agradável ou não, independentemente do sujeito que as percebe.
Empiristas como Locke e Hume vão relativizar a beleza. Par ambos, ela não é uma qualidade das coisas, mas só um sentimento na mente de quem as contempla, logo o seu julgamento depende tão somente da presença ou ausência de prazer em nossas mentes, o que nos leva inevitavelmente à conclusão de que todos os julgamentos de beleza são válidos e verdadeiros, porquanto o belo não estar presente no objeto observado mas nas condições de recepção do sujeito que observa.
Kant tenta romper com a dualidade objetividade-subjetividade. Com o seu princípio do juízo estético, ele afirma que o objeto belo é uma ocasião de prazer, cuja causa reside no sujeito, sendo portanto o sentimento do sujeito, e não o conceito despertado pela presença do objeto. Embora seja um sentimento individual, logo subjetivo, há possibilidade de universalização desse juízo, dado que as condições subjetivas da faculdade de julgar são as mesmas em cada ser humano, proposição que será aperfeiçoada por Hegel ao introduzir o conceito de história ao estudo do belo, momento no qual a beleza muda de face e de aspecto através dos tempos, o que determina que a arte, por exemplo, depende mais da cultura e da visão de mundo vigentes do que de uma exigência interna do belo.
Para Mikel Dufrenne, ter gosto é ter capacidade de julgamento sem preconceitos. E arremata afirmando que a obra de arte “convida a subjetividade a se constituir como olhar puro, livre abertura para o objeto, e o conteúdo particular a se pôr a serviço da compreensão em lugar de ofuscá-la fazendo prevalecer as suas inclinações. À medida que o sujeito exerce a aptidão de se abrir, desenvolve a aptidão de compreender, de penetrar no mundo aberto pela obra”.
A arte nos leva à conservação ou à ruptura. Os valores cultivados e que fazem a sociedade manter-se ou ser ultrapassada estão internalizados na obra. Não é por isso, porém, que ela deixa de carregar o belo e o espírito da época em que é produzido.
Roger Scruton afirma que perdemos no século XX o senso ético e estético da Beleza, cuja consequência é nos afundarmos num deserto espiritual nascido de um ideal falacioso de que “o homem é a medida de todas as coisas” (algum sofista grego escreveu isso , não?). No mundo pós-moderno e da pós-verdade não há mais senso ético e estético de verdade, de bondade, de virtude – e de beleza.
Para a arte a que faço referência no segundo parágrafo deste texto, a beleza ocupa um espaço para lá de secundário.
A nova arte, a qual alguns dizem ser moderna, prefere gastar seus cartuchos criativos em quebrar tabus morais. A beleza é ultrapassada pela “originalidade”, que deve ser alcançada por quaisquer meios. Chocar parece ser o objetivo, e para atingir tal objetivo os elementos estéticos vão para o vinagre.
Resistir a isso é, para a turma que preconiza os novos padrões artísticos e os seus áulicos, crime de lesa-civilização.
Talvez eu seja criminoso. Mas não sou leso.
Por Sérgio Trindade