“Quem sai aos seus não degenera”
O dito popular acima não falha.
A burocracia brasileira não cansa de confirmar a sua remota ascendência.
Estava assistindo, ontem, à entrevista do ministro da fazenda, Fernando Haddad, sobre os encaminhamentos da proposta de reforma tributária e na sequência entrou o prefeito do Rio Janeiro, Eduardo Paes. Haddad parecia confiante na eficácia da proposta e na sua aprovação pelo Congresso Nacional, em duas votações (Câmara e Senado). Paes, meio desconfiado, falou que os municípios não podem perder arrecadação e a sensação é de os municípios perdem autonomia e recursos com as propostas de discutidas pelo Congresso e governo federal. “O ICMS estadual já é um imposto que serve aos municípios, mas os municípios não têm qualquer poder de fala no ICMS. A gente recebe uma quota parte dos Estados, 25%, então quando o Estado toma uma decisão sobre ICMS, que vai impactar na vida dos municípios, ou quando Congresso Nacional vota alguma medida sobre ICMS, que vai impactar na vida dos municípios, os municípios não são ouvidos. “A gente precisa ver números”, disse o prefeito. (https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2023/03/13/paes-sobre-reforma-tributaria-sensacao-e-de-perda-de-autonomia-e-recursos.htm).
Parece que virá por aí nova tungada no bolso do contribuinte, para satisfazer a sanha arrecadatória dos governos municipais, estaduais e federal. Todos querem caber no bolso, mas o bolso que manda dinheiro para eles é o do contribuinte, nunca ouvido.
No século XIV, o jurisconsulto lusitano, João das Regras, arranjou legislação – a Lei Mental, vejam o nome da coisa – para aumentar o patrimônio real. Em linhas gerais, a lei, de caráter agrário, recaía principalmente sobre as doações de territórios feitas pela Coroa aqueles que a ajudaram durante a revolução de Avis, final do século XIV. Para reaver o patrimônio, foi criado mecanismo legal, praticada antes mesmo de estar escrita e publicada. D. Duarte a promulgou depois, dizendo da “ideia ou mente com que as doações tinham sido, ou deviam ter sido feitas”; no caput está escrita a razão de assim ser chamada: “por ser primeiro feita segundo a vontade e tenção del Rei Dom João, o Primeiro, seu Pai. A qual em seu tempo se praticou, ainda que não fosse escrita.”
A Lei Mental sempre passeia, simbolicamente, por aqui. Nos dias que seguem, a alma de João das Regras surgirá, uma vez mais, para aumentar os recursos do Estado. Desta feita virá enfatiotada na reforma tributária conduzida por Fernando Haddad.
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A boquinha de Jair Renan, filho do ex-presidente Bolsonaro, no Senado é de R$ 9.500. É favorecimento, pois custa acreditar que o pimpolho de Bolsonaro está empregado no Senado pelas qualidades intelectuais, acadêmicas e profissionais que tem. Ela não é, porém, a única e todos devemos cobrar dos políticos, ainda que eles façam ouvidos de mercador, comportamento digno. Ou alguém acha decente marido poderoso arranjar boquinha para mulheres em tribunais de contas?
Avilta-se o Senado com a presença de Jair Renan, aviltam-se os tribunais de contas com a presença das consortes de ministros (Rui Costa, Wellington Dias, Renan Filho). No caso delas, ainda há uma agravante: a luta das mulheres por igualdade e dignidade é ferida de morte, porquanto as damas só estarem nos tribunais por dormirem com seus maridos. Nada mais patriarcal.
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Lula e parcela significativa de seus aliados estão nervosos. Têm pressa em fazer a economia deslanchar. Esquecem que não há mágica para isso. O que foi feito pelo líder do PT, na primeira década deste século, a saber, endividar o pobre com crédito farto, só foi possível porque a economia brasileira estava nos trilhos, obra dos presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, e o cenário internacional era favorável. A situação, agora, é diferente, com o mundo saindo de uma pandemia, as contas do Estado estarem desarranjadas e o quadro geopolítico internacional continuar perturbado pela guerra Rússia-Ucrânia. Além disso, o presidente Lula precisa conviver com um Banco Central independente. O resultado disso tudo: tensão e nervosismo no seio do governo.
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O governo Bolsonaro acabou há quase três meses. A tarefa de qualquer democrata é, além de se opor ao bolsonarismo fora do governo, fiscalizar o novo governo, afinal não podemos e não devemos passar quatro anos apenas criticando o governo que saiu como pretexto para não criticarmos o governo que entrou.