Abilolamento ou mau-caratismo?
Sou professor há mais de três décadas e nas duas décadas iniciais da carreira docente, acreditei ser a Escola o caminho adequado para romper os grilhões do analfabetismo e da ignorância.
De lá para cá, mudei, depois de assistir a vilania presente na Escola, e penso que uma coisa pode realmente salvar os jovens do analfabetismo e da ignorância – os livros.
Além deles, dos livros, professores comprometidos com o ensino também são importantes na luta, mas muito distantes do que os livros.
O problema da Escola é que há cada vez mais professores comprometidos com muita coisa, excetuando-se ensino. Um monte de professores está na Escola apenas atrás de um emprego e se alguém ousar colocar-lhes diante de uma turma com estudantes durante um bimestre, um único bimestre, portam-se como vampiros diante de um crucifixo. Aqui faço observação: é um mito de construção piedosa medieval a ideia segundo a qual os portadores de símbolos piedosos, incluindo aí os crucifixos, repelem vampiros. Mas vou me apoiar no mito.
Há os que estão na Escola, a sala de aula incluída, não para lecionar, mas para fazer militância político-partidária. E não falo em doutrinação, que exige estudo de quem doutrina e de quem é doutrinado, coisa cada vez mais em falta na Escola.
Quem me conhece sabe que não levo a sério redes sociais. Considero-as a cloaca do mundo social. Muito do que digo e faço ali é por pura ironia, zona, achincalhamento, etc. Vez por outra escrevo a sério. Minhas posições políticas são amplamente conhecidas, porque as expresso pessoalmente, nas redes sociais, nas mesas de bares, etc. Nunca, repito, nunca em sala de aula, porque não estou ali fazer adestramento de ninguém, tampouco doutrinação (para os que estudam).
Comecei a ver que a Escola era uma coisa chucra na campanha eleitoral de 2010, quando Dilma e Serra se enfrentaram. Enquanto Dilma esteve folgadamente à frente, tudo transcorreu sem maiores sobressaltos. Quando Serra ameaçou a candidata do PT, os problemas começaram. À época eu estava numa diretoria da instituição na qual trabalho e fui procurado por estudantes incomodados com a militância e panfletagem de professor(es) nos corredores casa de educação. Uma aluna ameaçou fazer denúncia e eu pedi que não fizesse, porque no dia seguinte haveria reunião com os docentes e eu iria resolver o problema. Assim foi feito. A panfletagem nos corredores escolares cessou e se transferiu para a rua, espaço adequado para tal. Em 2014, com Dilma enfrentando Aécio na corrida presidencial, o caso tomou proporções maiores, com panfletagem e professor tripudiando estudante, nas calçadas de escolas, por votar em Aécio. E ainda teve as famosas rousselfies feitas nos portões de muitas instituições educacionais.
Até 2016-17, quem não era abertamente de esquerda, virou coxinha. Na eleição presidencial seguinte, 2018, coxinhas tornaram-se bolsonaristas. Não adiantava argumentar, porque os ínclitos, insignes e geniais professores, responsáveis por ensinar os alunos a pensar criticamente, não gostam de argumentos – e nem de pensar. Não votou em Fernando Haddad no segundo turno é bolsonarista, e pronto. A lógica foi a mesma quatro anos depois, quando Lula e Bolsonaro se enfrentaram. Os bolsonaristas inverteram o sinal, e qualquer um que não votou em Jair Bolsonaro em 2018 e em 2022 é esquerdista ou comunista. Na melhor das hipóteses.
Em 2019, participando de uma grupo de trabalho no Ministério da Educação, saíamos em grupo para o hotel para, de lá, irmos a um bar para jantar e beber. Um grupo daqui do Rio Grande do Norte conversava trivialidades e paulatinamente o assunto evoluiu para política. Alguns mostravam-se desconfortáveis com dois colegas de outro estado por notarem que eles divergiam do, digamos, partido docente petista. Um deles sapecou, eles são bolsonaristas, e um outro sussurrou: “Não diga isso não, Sérgio é bolsonarista”. Eu ia argumentar, mas pensei: “Por que e para que vou perder tempo com isso? O cara aí é doutor e nunca deve ter lido um livro inteiro, nem de sua própria área”. Calei e seguimos todos para o nosso destino.
Esta semana, um professor-doutor, todo latteado, disse que leu o meu texto no Portal Grande Ponto no qual teci críticas à atuação liberticida do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e, virando-se para mim, acusou-me de ser de extrema-direita. Olhei para aquele doutor de olhar bovino, com cara de personagem saído das páginas de realismo de Gabriel Garcia Marques, e lembrei-me: bois não falam.
O argumento bovino do fulano é exatamente o mesmo argumento circular que Alexandre de Moraes usa para abrir seus inquéritos: “Estão apontando erros no STF? É milícia digital bolsonarista!”.
Triste e enfadante / Oh, Brasil ruminante!