Leonel Brizola versus David Nasser (Marçal versus Datena)
Escrevi algumas vezes sobre as artreirices do candidato a prefeito de São Paulo Pablo Marçal.
Numa delas mencionei pendenga ocorrida em 1963 entre então deputado federal Leonel Brizola e o jornalista David Nasser, d’O Cruzeiro, a revista mais lida no Brasil naquele tempo.
Antes de prosseguir, a briga de Marçal com seus oponentes nem de longe chega aos pés, em qualidade, da briga Brizola-Nasser. Tanto Marçal está muito distante de Brizola, como Datena não chega aos pés de Nasser.
Para quem não conhece, David Nasser foi um dos mais famosos jornalistas do Brasil nas décadas de 1940-1950, com carreira inseparável da história da revista O Cruzeiro, num tempo em que a televisão ainda não era presença cotidiana nos lares brasileiros. [Não estico o texto aqui para falar de Brizola porque ele é homem conhecido; foi deputado federal, governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro (duas vezes), candidato a Presidente da República].
Escritor primoroso e letrista de canções memoráveis, de andar desajeitado e com problemas de vista, sequelas da meningite que o acometeu na infância, David Nasser destoava da imagem pública. Cronista político formidável em tempos politicamente difíceis e instáveis, quando a crônica política tinha uma constelação de luminares, foi defensor do movimento que derrubou João Goulart em 1964 e do regime autoritário que lhe seguiu. Quando queria ser agressivo nos seus textos, era-o com esmero e precisão.
O ano de 1963 se encaminhava para o fim quando Brizola e Nasser se encontraram no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro. Brizola estava irritadíssimo com um texto duríssimo de Nasser, editorial de duas páginas publicado em julho de 1963, com o título Resposta a um pulha, que o descrevia como “um exemplo trágico de uma verdade hereditária inexorável” e dizia que na linhagem do parlamentar, um “laboratorista moral poderia encontrar santos, mafiosos, papas e abiegatos, mas dificilmente encontraria um covarde da sua espécie”. E prosseguiu definindo Brizola como “essa coisa que anda, que fala, que ri, que mente, que insulta… de um mussolonismo barato, sem grandeza, porque é a de um ‘Duce’ de esgoto… à espera de uma creolina democrática ou gramatical”.
O objetivo de Nasser era claro: insultar o gaúcho deputado pela Guanabara, como é possível constatar nos termos duros: “Acredita…esse pangaré mordido de cascavel verborrágica, esse rebotalho humano que exibe a sua cunhadeza…imagina o senhor Leonel Brizola, o capadócio cunhoso, que um homem de bem não sabe, não pode lhe responder na sua linguagem sem asseio”. E bate de maneira apelativa: “Não tenho medo de você cafajeste inibido, boçal que aprendeu a ler com o minuano na ampla universidade dos ladrões de cavalos. Venha com os seus capangas de fraldas enceradas, ladrões como você, mamadores como você do infeliz tesouro do Rio Grande do Sul…”. E finaliza: “triste é o jornalista que tem o dever, neste prefácio de lama, de enfiar a pena no seu sangue pútrido, na sua carreira putrefata e na sua figura pífia, para cumprir o sagrado papel de revelar à geração atual e à geração futura, que nós não tivemos culpa do senhor existir”.
Brizola, diante da virulência do editorial do O Cruzeiro, processou Nasser por injúria, calunia e difamação e meses depois no encontro acima citado, perante testemunhas, nocauteou o jornalista. Não sem antes dar-lhe uma outra lição. Ao perceber o jornalista no balcão de uma companhia aérea, dirigiu até lá e gritou: “Prepara-te para apanhar” e desferiu um soco na lateral da cabeça e outro no queixo de Nasser, o qual caiu grogue. Brizola esbravejou: “Da próxima vez terás que engolir o artigo inteiro”.
O episódio foi publicado por vários jornais, incluindo O Jornal, veículo do Grupo Associados, do qual fazia parte a revista O Cruzeiro.
Sem se dar por vencido, David Nasser voltou à carga e deu sua versão, em janeiro de 1964, na mesma revista, dizendo bater “o teclado desta máquina com a mão que esbofeteou um canalha pela segunda vez. A primeira, quando o retratou moralmente. A segunda, quando respondeu ao ataque traiçoeiro. (…) Se Kennedy, que era Kennedy, não pode evitar a bala de um louco de Dallas – como poderia eu escapar ao coice de um pangaré de Carazinho? São acidentes do trabalho”.
Utilizando a metáfora do pangaré, cavalo considerado sem valor, Nasser desmerece Brizola, atacando suas atitudes e caráter. O texto expressa o estilo do escritor e jornalista, combinando crítica política irônica com uma linguagem poética rica.
Nasser não parou por aí, mas eu, por ora, paro aqui.