Diploma Instantâneo e Fratura Express
Vivemos na era da pressa. O mundo vive acelerado, a mil por hora. Queremos emagrecer em cinco dias, ficar rico em três, ser mestre em dois e, se possível, doutor em um fim de semana prolongado. A paciência virou defeito de fabricação. E quando aparece uma cola chinesa que promete curar fraturas em três minutos, o mundo inteiro se emociona: “É o fim do gesso! É o fim dos pinos! É o fim da chatice! É o fim da coceira do sarado!”.
Segundo matérias que pululam na mídia, a Bone-02, uma espécie de Super Bonder ortopédica, promete o milagre da cura imediata. O sujeito cai da escada, quebra o braço, e em vez de cirurgia complicada, fisioterapia e meses de muletas, basta chamar um residente com pistola de cola quente. Se um jogador de futebol tem a tíbia fraturada, nada de meses de recuperação. Em três minutos, está novo, pronto para enfrentar as maratonas dos campeonatos em série. Se colar errado, nada que uma segunda camada não resolva. Ossos humanos, afinal, são como azulejos de banheiro.

Imagem feita com auxílio de IA
Claro que ninguém viu ainda os estudos completos. Falam em mais de 100 pacientes tratados, mas não sabemos se eram fraturas reais ou se eram voluntários que tropeçaram no palco de um teatro amador. Não vimos gráficos, nem tabelas, nem curvas estatísticas. Mas entusiasmo não falta, e entusiasmo é mais pegajoso que a própria cola.
Essa paixão pela solução milagrosa não é exclusividade da China. Aqui no Brasil temos O Colégio Escolambação e sua percepção de que tem uma missão grandiosa, executada há mais de século: a de salvar o mundo do ensino e da pesquisa. Por meio de sua gloriosa Diretoria de Inovação e Invenções Mirabolantes, de Artifícios Escabrosos e de Apoio à Mumunha (DININMIAREAM) – o nome exige sigla, pois o título é tão longo que, ao terminar de lê-lo, o leitor já se formou em Relações Internacionais, e estará pronto a correr o mundo com dinheiro do Escolambação –, sempre haverá colas, fitas e congêneres para vedar qualquer tentativa de esclarecer a verdade. E é assim que se produz conhecimento nesse mundo malignamente encantado.
A DININMIAREAM orgulha-se das invenções que patrocinou. E são várias. Destaco duas: o Trator de Passeio em Praia (TRAPAPRA), criado para levar pessoas com dificuldade de locomoção até a beira do mar, em passeios pelas dunas e por regiões inóspitas. Há poucos problemas a resolver, o mais sério é que o TRAPAPRA não existe, mas isso em nada diminuiu e nem diminui a vontade de apresentá-lo à “comunidade científica”. Não existir, no mundo encantado do Escolambação e da DININMIAREAM, não significa não existir. As coisas existem e não existem entre os pesquisadores daquele lugar mágico. Há um outro: o protótipo atolava na maré alta, na areia, na lama, e só servia para transportar caranguejos e peixes. Houve também o Sensor de Presença Ausente (SPA), que prometia detectar a intenção de alguém em estar presente num local. Foi pensado para burlar reuniões e a participação em cursos: “Fulano não veio, mas sua intenção de comparecer foi registrada. A ata está assinada.” Um terceiro ensinava como produzir documentos falsos como se verdadeiros fossem. É o Formulador de Documentação Avulsa (FODA), mas pouco sabemos sobre ele. Um colega ligado ao grupo que criou o FODA nos prometeu dar maiores esclarecimentos sobre o invento, bem como maiores detalhes sobre o TRAPAPRA e o SPA. Tratarei deles em texto posterior.
E, para coroar, veio o programa de pós-graduação sem matrícula, sem créditos, sem dissertação, sem tese. O aluno entra, dá bom-dia à secretária, e sai dali com um diploma de doutor em Nanotecnologia Aplicada ao Crochê. Tudo em menos tempo do que a cola chinesa leva para colar um fêmur.
É a mesma lógica. Se a China cola ossos em minutos, nós colamos diplomas em segundos. Ciência? Ética? Processo? Bobagem. Importante é a manchete: “Universidade forma 500 doutores em um dia”. Um Guinness Book da esperteza. Agora, imagine um convênio internacional entre os dois. O funcinário do Escolambação se inscreve no mestrado ou no doutorado sem inscrição, recebe o diploma colado em três minutos e ainda ganha um tubo de Bone-02 como brinde. Na defesa da dissertação ou da tese, se der vexame, basta colar a boca da banca examinadora.
As situações beiram o absurdo. Em breve, teremos emergências hospitalares mais rápidas que drive-thru de fast food:
– Doutor, fraturei a clavícula!
– Pega a senha 12. Em cinco minutos você sai colado e ganha refrigerante.
Ou então:
– Aluno, você não fez a tese.
– Mas, professor, eu trouxe o kit Bone-02!
– Ah, nesse caso, cola seu trabalho com o do colega e pronto, formamos dois doutores pelo preço de um.
O ridículo não está em inventar. Inventar é humano. O ridículo é transformar a invenção em milagre sem o mínimo de teste. É como se lançássemos foguete para Marte antes de consertar buraco na rua. E, cá entre nós, se alguém tentasse colar um buraco de rua com Bone-02, não duvido que o Escolambação e a Prefeitura dessem coletiva: “Inovação pioneira, sustentável e inclusiva”.
A pressa de colar tudo é tamanha que, se bobear, logo teremos Casamentos colados: divórcio em três minutos, basta descolar. Promessas eleitorais coladas: duram até seis meses, biodegradáveis. Concurso público colado: candidato nem faz prova, já sai aprovado.
A grande questão é: por que aceitamos essas maluquices tão facilmente? Talvez porque a alternativa seja dura: estudar, pesquisar, esperar, sofrer. É muito mais divertido acreditar que o osso cola em minutos e que o diploma cai do céu.
Enquanto isso, os cientistas sérios, aqueles que passam dez anos para publicar uma vírgula revisada por pares, olham para tudo isso e choram. Eles sabem que a cola pode até colar o osso, mas não cola a realidade. O osso precisa se regenerar, como a ciência precisa de tempo. Se não respeitamos esse tempo, o resultado pode ser uma perna torta ou uma academia inteira manca.
E o que dizer dos alunos formados sem matrícula? Viram doutores instantâneos, especialistas em nada. Na prática, é como colar um título de nobreza no cachorro-quente da esquina. Tem nome pomposo, mas continua sendo salsicha.
No fundo, a cola chinesa e o Escolambação são irmãos siameses da pressa. A cola quer grudar ossos antes de a cicatrização começar; a escola quer grudar títulos antes de o conhecimento existir. É a pressa como método, a fraude como virtude, o atalho como trilha oficial.
E assim seguimos, colando ossos, diplomas e promessas, mas sem colar o que realmente importa: a vergonha na cara. Para essa ainda não inventaram o adesivo que resolva.