O direito de bater em quem a gente odeia
Escrevi, há uns dias, sobre o espancamento de um professor no Distrito Federal (https://historianosdetalhes.com.br/educacao/o-brasil-que-espanca-o-professor/). Volto ao tema, sob outro prisma.
O professor apanhou. O motivo oficial foi uma repreensão a uma aluna com celular. O assunto ecoou nas redes sociais e, sem surpresa alguma, vieram aqueles “argumentos” sublimes: “O professor é bolsonarista. E se é bolsonarista, merece apanhar”. Fechou-se o caso para uma parcela da sociedade. A violência foi absolvida no tribunal da ideologia.

Imagem feita com auxílio de IA
Este é o retrato do Brasil tribal. Um país que esqueceu Kant e abraçou a lei do mais forte. O filósofo Immanuel Kant cravou um princípio universal: a humanidade é um fim em si mesma. Cada pessoa tem uma dignidade intocável. Não é um meio para causas políticas. Logo, reduzir um homem a um bolsonarista e justificar sua agressão é tratar um ser humano como lixo. É coisificação pura. É a negação da civilização. Quem defende isso, seja de esquerda ou direita, cuspiu em princípios universais solidamente enraizados na nossa Constituição e abriu as portas para o barbarismo.
A sociologia explica essa patologia. Vou utilizar um pensador caro à esquerda – Zygmunt Bauman. Aquele da modernidade líquida, para quem os valores sólidos se dissolvem, sobrando a guerra de tribos. Em épocas como a nossa, a sala de aula, outrora espaço de razão, vira uma arena. O adversário vira inimigo. O agressor vira justiceiro. A vítima vira um símbolo a ser quebrado. Não se debate mais ideias. Elimina-se pessoas. O pensamento crítico morreu. Em seu lugar, ergueu-se o dogma. E o dogma não convive com o diferente. Ele o esmaga.
Este é o estágio final do fanatismo. A política já não é sobre projetos. É sobre identidade. E a identidade do outro é uma afronta. Uma agressão simbólica que merece, para alguns, uma resposta física. É a lógica do linchamento, agora com justificativa ideológica.
A nova unanimidade, de que falava Nelson Rodrigues, não é só burra – é também sanguinária. É a unanimidade do ódio. E ela não quer convencer. Quer aniquilar. Quem não está conosco está contra nós. E quem está contra nós pode ser destruído.
O caso do Guará não é sobre um pai irado. É sobre uma sociedade doente. Uma sociedade que perdeu o freio moral dos princípios universais. Sem esse freio, o poder da tribo é absoluto. E a vida do indivíduo, especialmente do adversário, não vale nada. O perigo é claro. Quando a dignidade humana é relativizada pela ideologia, ninguém está seguro. O bolsonarista de hoje pode ser o petista de amanhã. A justificativa muda, a violência permanece. O alvo rotaciona, mas o ódio é o mesmo.

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Justificar a agressão ao professor no Distrito Federal normaliza o inaceitável. Torna o impensável em pensável. E o pior está por vir. Uma sociedade que aceita o espancamento político está a um passo de aceitar coisas muito piores.
O Brasil precisa decidir se ainda acredita na democracia. A democracia não é somente o governo da maioria. Deve ser também e principalmente o governo das regras que protegem todos, especialmente as minorias e os opositores. É o império da lei, não da marretagem.
O professor apanhou. E, nesse ato, o Brasil inteiro levou uma porrada na sua já combalida ideia de civilização. A pergunta que fica é: vamos nos levantar e reagir, ou vamos ficar sentados, assistindo à próxima sessão de espancamento, torcendo para o alvo ser do outro lado?
Pode vir coisa pior: uma nova palestra, dada por algum douto doutor sobre os males da sociedade atual.