Vargas, o pescador
Getúlio Vargas foi certamente, com Tancredo Neves, um dos mais sagazes políticos brasileiros.
Mantinha os amigos e inimigos sempre por perto.
Foi traído por amigos (Góes Monteiro e Dutra), traiu amigos (Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura), confraternizou com amigos que foram adversários (Adhemar de Barros e José Américo de Almeida) e com inimigos que foram aliados (Assis Chateaubriand e Luís Carlos Prestes).
Criado e cevado politicamente no castilhismo e no borgismo e simpatizante do fascismo italiano, Vargas nunca se sentiu confortável dentro de um regime parlamentar-democrático.
Revolucionário em 1930, pisoteou a Constituição de 1891; um dos artífices da Constituinte que elaborou a Constituição de 1934, rasgada em 1937, entregou uma nova Constituição ao país, escrita por Francisco Campos e inspirada na fascista carta magna polonesa.
Apeado do poder em 1945 pelos militares, voltou ao Catete em 1950, nos braços do povo, para tombar com um tiro no peito, quando foi acossado pela oposição civil, pela imprensa e, uma vez mais, pelos militares, em 1954.
Pois bem, a esfinge gaúcha tinha, segundo Costa Rego, colunista do Correio da Manhã, “a superioridade de não acalentar amigos e a inteligência de não cultivar inimigos.”
Era o homem que pescava pirarucus “no desdobramento das crises da Revolução”, pois os “homens que ele quer submeter, anular ou proscrever são primeiramente arpoados. Correm. Ao fim da linha, o Ditador suavemente os chama. Embora resistindo, eles voltam, presos ao arpão. O sr. Getúlio Vargas larga-os mais uma vez, e só os larga para que voltem, até que, extenuados, lhes possa aplicar o macete.”
Teve, eu diria, na maior parte de sua vida política, a sagacidade de não fazer inimigos, mas estes surgiram, de 1930 em diante, para não mais sumirem, como demonstram vários episódios ao longo de quase duas décadas e meia da história pátria, notadamente a Revolução Constitucionalista de 1932, a Insurreição Comunista de 1935, a Insurreição Integralista de 1938, a sua deposição em 1945, as suas dificuldades, quando senador, na Constituinte e o seu atribulado governo de 1951 a 1954, para ficar nos eventos mais importantes.
A parte final de sua vida pública, segundo o poeta, intelectual e empresário Augusto Frederico Schmidt, recebido em audiência na véspera da data do suicídio mais traumático da história brasileira, foi melancólico. Schimdt encontrou Vargas magro e abatido. Leu o relatório que foi lhe entregar e, em dado momento, suspendendo a leitura, mencionou o artigo de Costa Rego, A pesca do pirarucu, acima mencionado. O presidente sorriu um sorriso largo mas triste, que Schmidt assim interpretou: “Quem está sendo pescado, neste momento, sou eu”.