Cortez Pereira, o primeiro governador biônico
Estava dias desses folheando, de trás pra frente, o livro de Como se fazia governador durante o Regime Militar, do jornalista João Batista Machado, quando parei na parte que aborda a escolha de Cortez Pereira, meu ex-professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, ali pelos anos 1980, quando ele ministrou um seminário, por duas semanas, sobre economia do semiárido nordestino. (veja Memória Viva sobre Cortez Pereira) https://www.youtube.com/watch?v=Cguvdd3_ruQ
Invariavelmente após as aulas, Cortez Pereira ficava alguns bons minutos conversando descontraidamente com os que a ele se dirigia. Com uma simpatia, uma educação e uma fidalguia imensas, o já sexagenário parecia um jovem de 20 e poucos anos discorrendo, com empolgação, sobre como o Rio Grande do Norte, o Nordeste e o Brasil pouco exploravam suas potencialidades econômicas. Invariavelmente, o assunto descambava para política e ele fazia sugestão de bibliografia que deveríamos ler para conhecermos o Brasil. Muita coisa comecei a comprar e ler por indicação dele.
José Cortez Pereira de Araújo foi o primeiro governador do regime de 1964 eleito indiretamente no Rio Grande do Norte, sucedendo Monsenhor Walfredo Gurgel, último eleito, em 1965, pelo voto direto, antes de os militares suspenderem as eleições diretas para governador. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/jose-cortez-pereira-de-araujo
Em 1966, o regime suspendeu as eleições diretas para governadores de estado, após a vitória de Israel Pinheiro (Minas Gerais) e Negrão de Lima (Guanabara), candidatos eleitos pelo voto direto e apoiados pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek, cassado e acossado por IPMs sem-fim e sem sentido.
A escolha de Cortez Pereira não foi fácil, mesmo ficando à critério da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), partido que dava sustentação ao governo do então presidente Emílio Garrastazu Médici.
A ARENA era presidida no Rio Grande do Norte pelo empresário Reginaldo Teófilo, dono das Casas Régio, uma das maiores no ramo de móveis e eletrodomésticos.
O partido situacionista logo começou as tratativas para indicar os nomes dos candidatos ao Palácio Potengi.
Caberia aos deputados estaduais, os eleitores, homologarem o nome depois que a lista, submetida ao Palácio do Planalto, retornasse ao estado.
Três nomes compuseram a lista: Dix-huit Rosado, Cortez Pereira e Dióscoro Vale.
O general Dióscoro do Vale figurava na lista como um tertius e suas chances dependiam de impasse, ou seja, se houvesse dificuldades de Dix-huit e Cortez atrairem votos e portanto unirem a classe política. Era apoiado, discretamente, pelo governador Walfredo Gurgel, de quem era conterrâneo de Caicó. Para o governador era preferível o general aos outros dois, políticos militantes e adversários do grupo político ao qual ele era vinculado. Além do governador, Dióscoro contava com a simpatia das principais lideranças militares.
Apoiado pelo senador Dinarte Mariz, liderança política mais forte do estado e prestigiado pelos militares, Dix-Huit era o favorito na bolsa de apostas, pela adesão que tinha dos principais líderes arenistas e pela boa gestão que realizava no Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA). Sofria, porém, pesada oposição na ARENA Verde, facção do partido ligada ao grupo político liderado por Aluízio Alves, cassado em 1969, e principal adversário de Dinarte.
Político experimentado e com boa bagagem técnica, demonstrada quando foi diretor do Banco do Nordeste (BNB), Cortez Pereira era um estudioso dos problemas do Nordeste e contava com a simpatia dos governadores e de várias lideranças da região.
Conhecidos os postulantes, o governo, como era praxe, enviou um delegado político, o deputado mineiro Rondon Pacheco, para verificar a situação dos candidatos junto às lideranças, evitando assim divisões nas hostes do partido oficial.
Rondon Pacheco, formado na escola mineira de muito ouvir e pouco falar, chegou a Natal no final de fevereiro e montou seu escritório no SESC, Cidade Alta.
Cada um dos candidatos ouvidos praticamente declinava da indicação e sugeria o nome dos adversários, até que chegou às mãos de Rondon Pacheco documento da câmara de vereadores de Natal, então presidida por Érico Hackradt, propondo a indicação de Cortez Pereira.
Walfredo Gurgel, atendendo a um pedido de seu amigo Paulo Guerra, governador de Pernambuco, muda de posição e entra na campanha para fazer Cortez seu sucessor. Concomitantemente, a Tribuna do Norte, jornal da família Alves, começou a criticar fortemente a indicação de Dix-Huit. Os dois movimentos sugerem a adesão da ARENA verde ao nome de Cortez Pereira, praticamente sacramentando a sua indicação.
A escolha de Cortez Pereira era líquida e certa, quando uma inconfidência quase pôs tudo a perder.
Cortez estava no aeroporto de Fortaleza, aguardando um voo para Natal, quando foi cumprimentado animadamente por Costa Cavalcanti, ministro do interior, que, ao abraçá-lo, disse que ele (Cortez) seria o futuro governador do Rio Grande do Norte. Incontinenti, vários jornais estamparam manchete dando a notícia, logo desmentida pelo Palácio do Planalto.
Houve demora para que o impasse fosse contornado e o nome de Cortez Pereira foi um dos últimos a ser anunciado pelo governo federal. Homologado pela Assembleia Legislativa em 03 de outubro de 1970, a posse ocorreu em 15.03.1971 e o mandato foi encerrado em 15 de março de 1975.