A canalhice travestida de moralidade pública
Escrevi há uns dias sobre a polêmica envolvendo a nomeação do professor Tassos Lycurgo, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em substituição a Hermano Fabrício Oliveira Guanais e Queiroz e repito aqui https://istoe.com.br/pastor-tassos-lycurgo-e-nomeado-diretor-do-iphan/
Mesmo tendo sólida e robusta formação acadêmica, com graduação em Filosofia e Direito, especialização em Direito Material e Processual do Trabalho, mestrado em Artes e Filosofia (Sussex University, Inglaterra), doutorado em Educação (UFRN), pós-doutorado em Apologética Cristã (ORU, EUA) e em Sociologia Jurídica (UFPB) e com cursos de Liderança Avançada (Haggai Institute, Tailândia), Ministério Pastoral e Estudos Bíblicos (RBT College, EUA), publicado onze livros e de atuar como professor no Departamento de Artes da UFRN http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/busca.do;jsessionid=4006930DE81EFC84A873457E3951CBFC.$%7Bjboss.server.jvmRoute%7D, ele tem sido apresentado como apenas pastor e, portanto, inabilitado, pela função pastoral que exerce e pela formação acadêmica que tem, para ocupar o cargo para o qual foi nomeado https://oglobo.globo.com/cultura/governo-oficializa-troca-de-especialista-em-preservacao-por-pastor-no-iphan-24786620.
Não conheço Tassos Lycurgo e tampouco o trabalho acadêmico dele. Tive alguns contatos distantes com ele, quando eu cursava Filosofia (UFRN), entre no final do século passado e o início deste, e outro um pouco mais próximo, em 2016, quando o professor Luiz Roberto (Filosofia/IFRN) e eu conseguimos levá-lo a participar de um debate com o também professor UFRN, Alípio de Sousa Filho, um dos grandes acadêmicos e intelectuais deste estado.
No já quase distante 2016, Luiz Roberto, Luiz Henrique (História/IFRN), Roberto Moura (Sociologia/IFRN) e eu estávamos à frente de um projeto de Extensão, Debate em Cena, por meio do qual levávamos ao campus Natal Zona Norte/IFRN políticos, acadêmicos, publicitários, intelectuais, etc para debaterem temas polêmicos (ética e política, existência de Deus, ideologia em sala de aula, entre outros). Por lá passaram Ricardo Rosado (professor aposentado do Departamento de Comunicação Social da UFRN, publicitário e então diretor de comunicação da FIERN), Kelps Lima (deputado estadual), Edmílson Lopes Junior (professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN), Dante Henrique (professor do IFRN), Rogério Marinho (deputado federal), Ruy Rocha (professor do Departamento de Comunicação Social da UFRN) – e Tassos e Alípio, entre outros.
A proposta do projeto era que os debatedores tivessem ampla liberdade para discutir os temas, sem quase amarra alguma.
Alguns debates foram acalorados, porque os convidados tinham visões claramente antagônicas sobre o tema proposto, mas respeitosos.
Não vou escrever aqui sobre o que ocorreu com o projeto e com cada um dos que estiveram à testa dele, porque não é o objetivo do artigo (em outro texto abordarei o assunto). A referência ao mesmo é apenas para dizer que Tassos e Alípio, ambos professores da UFRN e com posições diametralmente opostas quando o assunto é religião, protagonizaram um dos debates mais eletrizantes e instigantes do Debate em Cena, em suas duas edições, à altura do conhecimento que ambos têm.
Na última terça-feira (8) e mesmo antes, quando o nome de Tassos circulava como provável nomeado para cargo no Iphan, a máquina de moer reputações pôs-se em marcha, apontando-o como incapaz para exercer a função por não ser especialista na área que vai comandar. As críticas feitas apenam mencionam superficialmente o currículo e a formação acadêmica dele e centram fogo no ministério pastoral por ele exercido, como se a vida privada do professor fosse óbice para o desempenho de função pública, como se não fosse possível identificar, quando e se ocorrer, decisões por ele tomadas que misturem as esferas pública (Estado) e privada (religião).
A mesma imprensa presumidamente vigilante (e a imprensa deve mesmo ser vigilante e perscrutar o poder público, como dizia Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”) dormiu de touca quando o tucano José Serra (engenheiro e economista) sentou na cadeira de ministro da saúde, mesmo o fazendo com competência, vale ressaltar; ou quando o médico Antônio Palocci foi, com desenvoltura, ministro da área econômica de Lula; ou quando o grande, imenso Celso Furtado, advogado por formação e economista por vocação, esteve à frente do ministério da cultura, nos anos Sarney; o ainda quando o advogado Ciro Gomes esteve, por pouco tempo, comandando o ministério da fazenda na gestão do presidente Itamar Franco.
A economista Dilma Rousseff foi, na década de 1990 e no início dos anos 2000, secretária estadual de minas e energia e esteve na sua congênere federal no primeiro governo Lula. O médico Joaquim Murtinho foi um dos mais competentes ministros da fazenda do Brasil, durante o governo Campos Sales e o sociólogo Fernando Henrique montou e liderou, como ministro da fazenda, a equipe que montou o mais engenhoso plano econômico brasileiro, o real; advogado gaúcho Getúlio Vargas teve passagem pífia pelo mesmo ministério no governo de Washington Luís.
Nicolau Copérnico e Thomas Malthus, respectivamente cônego da igreja católica e pastor, nunca foram acusados de abraçar suas crenças religiosas. Ambos são justamente incensados por seus feitos científicos, nas áreas da astronomia (Copérnico) e da economia e demografia (Malthus). Aquino e Agostinho são acima de tudo filósofos; o dominicano Bartolomeu de Las Casas e os jesuítas José de Anchieta e Manuel da Nóbrega não são amaldiçoados pelo exercício pastoral.
Não sou advogado de defesa de Tassos Lycurgo, o que não me impede de apontar como tem sido covarde e desonesta a forma como ele está sendo apresentado por parcela da imprensa brasileira.
Igualmente covarde tem sido a postura de parte considerável de seus pares de academia.