As pretensões do governo Lula sobre a regulação das redes sociais

por Sérgio Trindade foi publicado em 28.maio.25

Desde que voltou ao trono – e o homem voltou como quem retorna à cena de um crime, ou ao abraço caloroso de velhos cúmplices –, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva ergueu a sua espada e bradou pela regulação das redes sociais no Brasil.

Para ele, não há dúvida: é preciso conter o “avanço da desinformação”, aquela entidade sem rosto que, como um demônio insidiosamente sorrateiro, rondou as eleições de 2022 e espreitou os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. E assim, com ares de salvador da pátria, um Sassá Mutema redivivo, justifica a necessidade de novos marcos legais.

Todos deveríamos saber: quando um político fala em marcos legais, pode estar querendo, na verdade, enganar, engrupir, censurar, amordaçar… amaldiçoar.

Ah, não dá! Não dá para confiar num Presidente e num partido, o PT, que ao longo dos anos manifestou desconforto com uma imprensa livre e certo entusiasmo, para dizer o mínimo, com a liberdade de expressão. Como quem brinca com fogo perto do paiol, o partido sempre oscilou entre o desejo secreto de calar e o vício público de acusar. Escrevo sem receio algum de ser injusto, apontando as baterias para Lula e a turma dele, sem no entanto deixar de reconhecer que o antecessor dele, Jair Bolsonaro, também teve relação esquisita com a mídia tradicional.

Ao longo dos governos de Lula – inclusive na récita atual, em cartaz permanente –, o PT foi acusado de diversas iniciativas para cercear a liberdade de imprensa e intimidar jornalistas críticos. Não se tratava mais de governar, mas de domar, dobrar, quebrar.

Episódios marcantes revelaram a postura agressiva, intimidadora, quase animalesca, vitil e até vil contra setores da mídia, jornalistas e até empresas de comunicação que ousaram uma linha editorial independente.

Que pecado! Que afronta!

Em 2005, o país fervia no caldeirão do escândalo do mensalão quando Lula, o ator principal, girou sobre os calcanhares e acusou a imprensa de agir com “mau-caratismo” e “mentiras deslavadas”. Como amante traído, queria deslegitimar as reportagens que expunham a nudez do esquema de corrupção no Congresso Nacional, em parte patrocinado com dinheiro do governo que ele chefiava. Não bastou o grito: setores do governo e do PT pressionaram empresas anunciantes a rever contratos com veículos críticos, como a revista Veja e o jornal O Estado de S. Paulo. Era uma tentativa velada – ou nem tanto – de sufocar financeiramente esses meios. O sufoco como método. O estrangulamento como política.

Num surto autoritário, o governo ameaçou expulsar do Brasil o jornalista Larry Rohter, correspondente do The New York Times. O crime dele? Haver publicado uma reportagem em que mencionava o suposto consumo excessivo de álcool pelo Presidente, sugerindo que isso poderia afetar sua capacidade de governar. O governo reagiu com a fúria dos ofendidos, anunciando a suspensão do visto do jornalista e iniciando um processo para sua expulsão do país. Mas como nos bons melodramas houve recuo, após intensa pressão internacional e críticas de entidades de defesa da liberdade de imprensa, Rohter pôde permanecer. Final melancolicamente feliz (https://www.bbc.com/portuguese/noticias/story/2004/05/040512_nytml;  https://noticias.uol.com.br/confere/ultimas-noticias/2019/08/16/lula-nao-expulsou-jornalista-mas-pedido-chegou-a-ser-feito.htm).

E que dizer das tentativas do PT, ainda nos governos Lula e Dilma, de implementar o chamado controle social da mídia? Queriam criar conselhos reguladores que poderiam interferir na linha editorial das empresas jornalísticas. Os críticos, com razão, interpretaram tais iniciativas como tentativas disfarçadas de censura. Disfarçadas? Talvez nem tanto.

E agora, sob a máscara do bem e da virtude, Lula volta com sua cruzada. Entre os principais objetivos declarados pelo governo: combater a disseminação de fake news, proteger as instituições democráticas e responsabilizar as empresas de tecnologia pelos conteúdos que hospedam ou impulsionam. Lula e seus ministros repetem, como um mantra: não se trata de censura, mas de regulação necessária para o bom funcionamento da democracia e a preservação do Estado de Democrático Direito. Ah, a hipocrisia necessária à vida pública!

A principal proposta apoiada pelo governo: o Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como o PL das Fake News. O projeto estabelece regras para redes sociais, serviços de mensagens privadas e motores de busca, obrigatoriedade de maior transparência nos algoritmos, mecanismos para a remoção de conteúdos ilícitos, normas para a remuneração de conteúdo jornalístico e critérios de responsabilização das plataformas. Além disso, há movimentos no sentido de promover uma atualização do Marco Civil da Internet. Nos últimos dias, o governo investiu uma vez mais para regular – eufemismo para censurar.

O governo Lula mantém interlocução próxima com o Judiciário, especialmente com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem protagonizado ações de combate à desinformação e discursos antidemocráticos na Internet. O Executivo aplaude. Considera a atuação complementar às iniciativas legislativas.

As propostas de regulação das redes sociais geram forte resistência da oposição e de defensores da liberdade de expressão. Os críticos alegam que embora o governo negue a intenção de censura, as medidas podem criar instrumentos para a restrição arbitrária de conteúdos, especialmente se não forem estabelecidos limites claros e garantias de proteção à liberdade de expressão.

Entre os pontos mais criticados está a possibilidade de que plataformas sejam obrigadas a remover conteúdos com base apenas em notificações administrativas, sem a necessidade de decisão judicial, o que poderia abrir espaço para abusos. Lula, porém, defende com ares de quem diz a última verdade: “Não é possível que tudo tenha controle menos as empresas de aplicativos”. E ainda desabafa, como quem se confessa ao padre beatificado: “Eu e Janja recebemos ofensas todos os dias. Sou chamado de Ladrão no Twitter. Precisamos discutir a regulação das redes sociais já”.

É no mínimo estranho dizer que a regulamentação proposta protegerá crianças. Ora, o problema não é a falta de regulamentação. Existe o Código Penal, que não exclui crimes cometidos na Internet. Existe o Marco Civil da Internet, cujo único intuito foi regulamentar a Internet. O problema para essa gente, porém, é outro: a regulamentação existente não permite ao governo bloquear a Internet quando a próxima eleição está em risco – esta é a única regulamentação que o governo quer.

Esses episódios mostram, com clareza cristalinamente pornográfica, que apesar do discurso oficial em defesa da liberdade de imprensa, o PT e Lula, em momentos diversos, adotaram práticas que visavam conter ou enfraquecer a atuação crítica da mídia e dos jornalistas. Seja por pressões econômicas, políticas ou institucionais. O modus operandi do poder: calar, dobrar, domar.

Eu gosto do confronto aberto, aquele no qual alguém expões claramente, sem rodeios, o que quer. Prefiro quem defenda isso com alma de ditadorzinho de terceiro mundo, de tiranete de província, sem subterfúgios, sem querer que acreditemos que a regulamentação é para defender as crianças no ambiente virtual.

Seja calhorda sem máscara.

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