Democracia brasileira, uma senhora de moral duvidosa

por Sérgio Trindade foi publicado em 30.abr.25

A democracia no Brasil é uma mulher de reputação discutível. Chega atrasada, sai sem se despedir, e sempre aparece nos piores momentos com batom borrado, vestido amarrotado e cheirando a uísque barato. Não é esposa e nem amante. É uma dessas madrastas bêbadas da política – fala alto, tropeça nos próprios sapatos, esconde fatos e mente e depois chora no banheiro, dizendo que ninguém a leva a sério.

De 1945 a 1964, ela existiu – ou fingiu existir – como um desses casamentos de aparências: todo mundo traía todo mundo, mas as crianças continuavam indo à escola. Em 1985 voltou ressabiada, remendada, com as mesmas promessas de “agora vai”. Não foi. Nunca foi. E suspeito, nunca será.

E não se trata de tanques, quartéis, conspirações e telegramas cifrados. Isso é coisa de romance velho. A verdadeira ameaça à democracia vem de terno bem cortado, com gel no cabelo, assessoria de imprensa e marketing, muito marketing. Vem pelo INSS, pelo fundo eleitoral, pelo orçamento secreto – sempre com um sorriso casto nos lábios e a mão no bolso do contribuinte, cafajestemente chamado de eleitor e cidadão.

O brasileiro médio não sabe quem é presidente da Câmara, mas sabe que alguém está roubando. É um fato que herdamos dos nossos escancha-avós, junto com a cachaça, a desconfiança e empreguismo. Sabemos que tem maracutaia mesmo quando não sabemos soletrar maracutaia.

E o histórico é de fazer corar um gigolô: Marajás, INSS (o escândalo eterno, o que nunca sai de moda), PC Farias, Anões do Orçamento, Sanguessugas, Mensalão, Petrolão, Rachadinhas, Fundos Eleitorais. A lista é tão grande que parece a convocação da Seleção de 1966. Só falta colocar o nome dos escândalos na camisa e bater foto oficial.

Agora, de novo, o escândalo do INSS. Outra vez! Como o retorno da gripe espanhola, recentemente batizada de Covid, ou o novo filme Walter Salles. Roubam de aposentados, ou seja, do sujeito que passou a vida acreditando que um dia seria recompensado com dignidade pelo trabalho que executou por décadas. E o que recebe? Um golpe. Não um golpe militar. Um golpe com planilha, assinatura digital e senha de banco público.

E o povo? O povo aplaude com uma mão e tapa o nariz com a outra. Porque já sabe: o cheiro é velho, mas o escândalo é sempre novo.

Fake news? Ora, meus caros… fake news é flor de plástico diante da podridão institucional. Político sempre mentiu. Mentir é a disciplina 01 do curso de Ciências Políticas. E não se iludam: até Jesus teria dificuldade de disputar uma eleição sem dizer que “nunca foi carpinteiro” e que “não conheceu Maria Madalena”.

A verdadeira ameaça, portanto, não é o post maldoso das tias do WhatsApp. É o sistema podre, desdentado, obeso de vantagens, paquidérmico, que se finge de democrático enquanto assalta viúvas e aposentados e está sempre a espreita para meter a mão no bolso dos pagadores de impostos. O novo escândalo de R$ 6,3 bilhões do INSS não é um erro: é um projeto de país.

Se o Brasil fosse um país sério – sim, essa frase virou um clichê, mas a realidade também virou –, teríamos uma guilhotina na Praça dos Três Poderes. Mas o Brasil não é sério. O Brasil é um projeto de circo nas proximidades de um esgoto. Uma cloaca com bandeira verde e amarela e hino parnasiano. Um teatro no qual todos os personagens usam máscara, mas ninguém representa.

E a democracia? Continua ali, embriagada e trôpega, sentada na calçada, pedindo carona para casa. Ninguém para. E quem para, rouba as suas parcas economias.

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