Do(s) golpe(s) ao gópi
Dia 15 último o Brasil festejou o 135º aniversário da proclamação da república, um golpe de Estado liderado pelos militares, no qual houve tudo – exceto povo, como bem lembra José Murilo de Carvalho ao citar expressão do republicano Aristides Lobo: “O povo assistiu bestializado a proclamação da República”.
Quase quarenta e oito anos depois, mais precisamente em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas resolveu, com apoio dos militares e de grande parte das lideranças políticas do país, rasgar a Constituição, que, dizia, “é como as virgens. Foi feita para ser violada”.
Menos de três décadas depois, militares e civis se uniram para, de 31 de março para 1º de abril de 1964, violar uma nova virgem, a Constituição de 1946.
Os três golpes representaram uma ruptura da normalidade democrática, com ampla participação dos militares na conspiração, na deflagração do movimento que depôs os governantes e, na sequência, na construção de uma nova ordem.
Depois da retomada dos rumos democráticos em 1985, o Brasil seguiu, tirando alguns poucos momentos, o ritmo constante e regular da instabilidade política, até que sobreveio o 8 de janeiro de 2023, apontado como tentativa de golpe de Estado, porque, segundo autoridades e grande imprensa, aqueles que se reuniram nas proximidades dos quarteis promoveram movimentação política quebrando instalações públicas em Brasília, com o objetivo de deflagar uma nova ruptura institucional.
Somos dados aos esquecimentos. Parece que a violência política atribuída à direita hoje é um novo elemento da política brasileira.
Vamos refrescar a memória:
1) Em 2013, os Black Bloc , artífices da depredação do patrimônio público e privado atuaram quase que livremente em várias cidades do Brasil. O quebra-quebra foi tão comum que os próprios esquerdistas repetiram, como um mantra do seu norte moral, que não se importavam com vidraças (https://oglobo.globo.com/politica/manifestantes-depredam-ministerios-colocam-fogo-no-predio-da-agricultura-21387180); (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2017/05/24/policia-usa-bombas-de-gas-para-impedir-que-manifestantes-se-aproximem-do-congresso.htm).
2) Em 2017, manifestantes tocaram fogo literalmente em ministérios exigindo o fim do governo.
3) MST e Levante Popular da Juventude atacaram, em 2017, o prédio em que a Carmén Lúcia mora, em Belo Horizonte (https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/predio-de-carmen-lucia-em-belo-horizonte-e-pichado-com-tinta-vermelha.ghtml).
A CUT festejou a ação (https://mg.cut.org.br/noticias/mst-e-levante-popular-da-juventude-fazem-escracho-em-predio-de-ministra-do-stf-832b).
4) Em 2011, a Câmara de Vereadores de Natal foi ocupada por onze dias (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2011/06/17/manifestantes-deixam-camara-de-natal-apos-11-dias-de-invasao-e-promessa-de-investigacao.htm). Dois anos depois, nova invasão às dependências da edilidade natalense. No mesmo ano, manifestantes de esquerda tentando incendiar a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/08/manifestantes-invadem-camara-municipal-do-rio-1.html).
5) Bem antes disso tudo, na década de 1990, o MST invadiu a fazenda do então Presidente da República Fernando Henrique (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2403200212.htm).
A violência política no Brasil é, desde a redemocratização, uma marca da esquerda por meio de significativo aparato de organizações dedicadas à ações violentas. O MST constantemente destrói anos de pesquisa da EMBRAPA (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/04/mst-invade-pela-terceira-vez-area-da-embrapa-em-pe-que-gerou-crise-com-lula.shtml#:~:text=O%20MST%20(Movimento%20dos%20Trabalhadores,em%20Pernambuco%2C%20segundo%20a%20entidade) e de outros centros de pesquisa (https://g1.globo.com/jornaldaglobo/0,,MUL890628-16021,00-MST+DESTROI+LABORATORIO.html) – e nada acontece.
Agora, parece, ela não está mais sozinha no campo; quem se punha no polo oposto da política resolveu reagir, às vezes utilizando armas iguais ou semelhantes – e nada tem a ver com a emergência e a difusão das internet e das redes sociais, as quais só amplificaram a dimensão do problema e a parcialidade das autoridades.
A reação do STF nada tem a ver com esquerda ou direita. Enquanto era quebra-quebra, o prejuízo era da sociedade; manteve-se a impunidade. Quando suas excelências sentiram o cheiro nauseabundo da violência rondando as capas pretas, todo tipo de exceção e punitivismo entrou na ordem do dia.
A luta não é por democracia. É por sobrevivência. Os vícios que sustentam a boa vida não podem ser cortados.
O jornalismo chapa-branca faz as vezes de porta-voz do sistema moribundo, daí as manchetes e a lógica canhestra segundo a qual “as explosões na Praça dos Três Poderes lembram que o risco de golpe não acabou”.
O terrorista que atacou uma estátua e um pátio vazio com fogos de artifício e numa ação suicida se explodiu diante das câmeras de vigilância é uma reencarnação de Olímpio Mourão Filho, o capitão que bolou o Plano Cohen (1937) ou do general que iniciou o movimento das tropas que derrubaram João Goulart (1964).
O Brasil vai da tragédia à farsa para, em seguida, apresentar uma comédia.
Isso, sim, é gópi.
Karl Marx treme no túmulo londrino do cemitério de Highgate.