O Brasil das enganações engarrafadas
O Brasil é um país de enganações. No momento, engarrafadas. Mas já foram ensacadas, empastilhadas…, porque o Brasil é um país onde até a morte vem adulterada. E não é exagero: o sujeito pede uma cachaça no boteco da esquina e recebe, no copo, um coquetel de metanol que faria inveja a qualquer enredo de Agatha Christie. A diferença é que, aqui, não há o mordomo assassino. É o comerciante de bairro, o atravessador esperto, o falsário com diploma de pilantra, o cientista de picadeiro, desses que correm o mundo montando circo para apresentar e explicar o que não sabe. Morrem pobres, operários, desavisados, e morrem de uma morte indigna, não pela foice da velhice, mas pela fraude de uma garrafa de bebida adulterada, falsificada.
O metanol, para quem não sabe, é um veneno. Queima por dentro, cega o infeliz, destrói fígado, rins, tudo. Mas o brasileiro não se assusta; ele bebe como quem assina um contrato com o demônio, e só descobre que a assinatura tinha cláusula em letras miúdas quando já está deitado na maca do hospital. Quantos casos já não vimos? Cidades inteiras com vítimas. O boteco da esquina mais parece farmácia de veneno. E sempre a mesma cena: as autoridades “investigando”.
E não é apenas a bebida. No Brasil, até remédio já virou farinha. Literalmente. Houve o escândalo de medicamentos falsificados, meus três ou quatro leitores devem lembrar. Eram pílulas feitas com pó inofensivo, ou pior, com substâncias tóxicas. O doente, coitado, ia à farmácia acreditando que comprava a cura, e levava para casa a sentença de morte embrulhada em blister. Casos rumorosos chegaram às manchetes, e o Estado, sempre magnânimo em sua lentidão, resolveu agir. Fiscalizações foram intensificadas, impuseram rastreabilidade, fizeram o diabo. Bonito no papel, cinematográfico na televisão. Mas o falsário brazuca, esse gênio tropical, sempre acha um jeitinho de voltar. E o Brasil, meus três ou quatro leitores, é uma usina de mutretas, uma maternidade exponencial de picaretas.
E o combustível, então? Gasolina batizada, etanol misturado com solvente, diesel adulterado. O motorista abastece e o carro passa a tossir como tuberculoso em crise. O Estado, claro, aplica multas, fecha postos, faz operações com nomes cinematográficos: Operação Ouro Negro, Operação Combustível Limpo e outros nomes com grande potencial publicitário. Mas basta a poeira baixar que os mesmos postos ressuscitam como zumbis. Os donos raramente são presos. Multas? Pagas em suaves prestações, quando não esquecidas no baú da burocracia camarada. E nós, motoristas, seguimos pagando caro para rodar com combustível que é meio gasolina, meio picaretagem.

Imagem feita com auxílio de IA
Os criminosos, quando muito, ganham manchete e processo. Alguns chegam a ser presos, sim, mas não espere cadeias lotadas de falsificadores de remédios ou donos de posto. As celas estão reservadas para os ladrões de galinha. O tubarão cumpre pena em liberdade.
O Brasil é criativo na arte de adulterar. Já falsificaram leite com soda cáustica, carne estragada com maquiagem química, até botijão de gás que explode como uma bomba caseira. E sempre há vítimas. Gente intoxicada, crianças mortas, famílias destruídas. E sempre, repito, a mesma cena: autoridades “indignadas”, promessas de fiscalização, manchetes alarmistas – e, semanas depois, tudo volta ao normal, como se a tragédia fosse apenas mais um capítulo da novela nacional. E é.
A ironia é que o Estado, quando quer, sabe agir. No caso dos medicamentos falsos, as penas endureceram, laboratórios clandestinos foram desmontados, farmácias investigadas. Houve condenações. Mas ainda assim, os casos não sumiram: eles apenas se camuflaram, como camaleões da malandragem. Nos combustíveis, idem; existe a Agência Nacional do Petróleo (ANP), há fiscalizações, há normas. Mas quem circula pelo Brasil sabe que, em cada esquina, pode haver um tanque adulterado esperando um cliente desavisado.
E a população? Essa se acostumou. O brasileiro tem essa virtude trágica: transforma veneno em piada, crime em rotina. O sujeito descobre que a gasolina está batizada e ri: “Ah, mas é mais barata”. Compra um remédio sem procedência e acha que é esperto por pagar menos. Bebe no boteco da esquina e diz: “Se não mata, fortalece”. É a filosofia da resignação cínica.
A falsificação no Brasil é mais presente do que a Constituição, pois atinge todos. Do pobre que bebe pinga envenenada ao rico que abastece o carrão importado com gasolina vagabunda. A diferença é que, para os pobres, a conta é paga com o corpo; para os ricos, com o motor fundido. Mas todos, sem exceção, estão sendo enganados.
O Brasil não é para amadores, já dizia Tom Jobim. Aqui, até o crime é sofisticado na sua grosseria. O sujeito falsifica não apenas produtos, mas a própria confiança social. Adulterar, no fundo, é uma metáfora do país: tudo parece, nada é. A garrafa de cachaça que é veneno. O remédio que é farinha. A gasolina que é solvente. O leite que é água oxigenada. A promessa que é mentira. O doutor que não é doutor.
No fim, resta a pergunta que ninguém responde: quem realmente paga por essa engrenagem de trapaças? O falsário, quase nunca. O Estado, jamais. Paga o povo, esse personagem debiloide que insiste em acreditar que, da próxima vez, será diferente. Ingenuidade digna de mártir.
***
O Ministro da Saúde citou, em entrevista concedida à rádio CBN, “três regras para qualquer bebida alcoólica. Primeira regra, se beber, não pode dirigir. Segunda, se for beber, sempre muito hidratado e bem alimentado, isso pode, inclusive, reduzir os impactos de uma bebida adulterada, como é o caso do metanol. E terceiro, tenha segurança da origem”. Ou seja, para o Alexandre Padilha só devemos beber destilados se tivermos “absoluta certeza” da procedência (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2025/10/01/nao-consumir-destilados-padilha.htm). É o que tem a dizer o responsável pela gestão do ministério que cuida da saúde da população.
Vai pra casa, Padilha!