O Brasil dos malandros que se vestem de raposas

por Sérgio Trindade foi publicado em 11.ago.17

Há um equívoco primário, quase juvenil, naqueles que supõem que o confronto de rua possa dobrar a espinha dorsal de um governo talhado na contramão da opinião pública. A oposição ruidosa não comove o Planalto. Michel Temer e seu séquito não se pautam por protestos e decibéis. A impopularidade, convenhamos, nunca assustou o Presidente; ele assumiu a cadeira com a certeza de que a simpatia popular era um luxo que não teria – e cada dia tem menos.

A missão, ainda que inglória, foi traçada com precisão cirúrgica: executar reformas estruturais, todas elas de rigorosa e indubitável necessidade para estancar a sangria fiscal. Para tanto, é preciso contar com o Congresso Nacional, essa câmara de espelhos que, sendo pilar da República, não raro move-se por interesses que de republicanos têm muito pouco ou nada.

O que move as engrenagens desse submundo, infelizmente tão familiar, é o vil metal. Temer, um expert que presidiu a Câmara por diversas vezes, e as raposas que o cercam – Padilha, Moreira Franco e outros mestres da realpolitik – são profundos conhecedores dessa mecânica. Falam o dialeto que o baixo clero compreende e precifica: aquele aforismo de Roberto Cardoso Alves, que se escorou em São Francisco de Assis para sentenciar que “É dando que se recebe”.

Quer as reformas aprovadas? Pague o preço. Quer a permanência no Palácio? O pagamento é a moeda. A negociação é clara: o governo entrega os anéis para salvar os dedos. Pagar significa liberar emendas orçamentárias com a discricionariedade de um emir, receber parlamentares em convescotes de pouca luz e perpetuar o clientelismo, tudo sob o olhar manso, quase bovino, de um cidadão brasileiro já anestesiado pelo escândalo.

O problema é que o tempo, senhor implacável, atropelou o Presidente. As reformas, que deveriam ser a bala de prata, perderam a velocidade inicial. A razão é simples e dramática: o governo mobilizou, e continua a mobilizar, todas as suas energias para barrar as investigações que se avolumam em torno do Planalto e das suas adjacências.

Com o passo lento das reformas, o Orçamento da União, que já nascera com um déficit estratosférico, está sendo devorado pela fome voraz daqueles que são mimoseados pela caneta federal. O risco é real e iminente: o estouro fiscal, que pode levar o país a um perigoso quadro de insolvência.

A contabilidade é cruel e só oferece duas saídas: diminuir os gastos ou aumentar as receitas. A segunda implica em mais impostos, algo indefensável diante da carga tributária já escorchante e da contrapartida estatal pífia em serviços básicos.

Descartada a via tributária, resta a tesoura no gasto público. O governo já passou vorazmente pelo corte de investimentos e agora sonda a possibilidade de congelar salários de servidores federais. A medida é, contabilmente, eficaz. A questão moral e política é insuperável.

Como justificar tamanha austeridade quando o Congresso Nacional acaba de patrocinar um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões para partidos? Como impor sacrifícios quando o Ministério Público se autoconcede aumentos e os Poderes Legislativo e Judiciário chafurdam em benefícios que, aos olhos de qualquer pessoa de bom senso, não passam de abuso, enquanto escolas e hospitais agonizam por falta de recursos?

Tom Jobim tinha razão: “O Brasil não é para amadores”. E o Brasil que amadores não explicam tem sido, paradoxalmente, um espaço aberto para os malandros, com Temer à frente. Recentemente, um líder político argumentou a favor do financiamento público alegando que, sem o dinheiro privado, o Estado deveria pagar a conta. Na sua lógica torta, a democracia é cara. Não é a democracia, no entanto, que custa caro aqui; custosos são os políticos.

Chegou a hora de despertar o monstro, como Juscelino Kubitschek se referia à opinião pública. Não basta o protesto contra o executivo. A pauta tem de mirar onde o poder realmente reside: o Congresso. É contra ele que a rua deve marchar, exigindo o fim das regalias, das mordomias, das mamatas e, sobretudo, do obsceno Fundo Partidário.

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