O número 2 de Dino

por Sérgio Trindade foi publicado em 22.ago.25

cagadas privadas e há cagadas públicas. As privadas, todos nós fazemos: no banheiro, no silêncio, na modéstia das quatro paredes. Já as públicas são raras, majestosas, e produzem consequências irreparáveis. Há cagadas que derrubam ministros, há cagadas que derrubam governos, e há até as que derrubam bilhões na Bolsa de Valores.

E foi isso o que aconteceu quando Sua Excelência, o ministro Flávio Dino, em toga e gravidade, cometeu a mais recente das cagadas nacionais.

Imagem feita com auxílio de IA

Era uma segunda-feira, ou uma terça, pouco importa. A caneta deslizou sobre o papel como se escrevesse um salmo. Dino decretou, com o peso de uma encíclica: leis estrangeiras não têm efeito automático no Brasil. Que bela frase! Cheira a independência, a hino nacional, a 7 de Setembro com D. Pedro gritando às margens do Ipiranga.

Mas logo o efeito patriótico se dissolveu no ar como perfume barato. O mercado entendeu a mensagem e entrou em pânico. Nos Estados Unidos, havia uma tal Lei Magnitsky, dessas que punem mesmo, até gente que está longe, espalhada pelo mundo. Entre os sancionados, um colega de toga do próprio Dino. Resultado: os bancos brasileiros se viram no dilema de Hamlet. Cumprir Dino e levar chicotada de Washington? Ou obedecer a Washington e desobedecer ao Supremo?

E a Bolsa, coitada, não entende de dilemas. Caiu. Caiu como uma senhora idosa tropeçando na calçada. Caiu com estrondo dinoso, arrastando com ela Itaú, Bradesco, Santander, Banco do Brasil e BTG. Só no pregão de 19 de agosto, evaporaram-se quarenta e dois bilhões de reais em valor de mercado.

O Itaú perdeu R$ 14,7 bilhões. O BTG, R$ 11,4 bilhões. O Banco do Brasil, R$ 7,2 bilhões. O Bradesco, R$ 5,4 bilhões. O Santander, R$ 3,2 bilhões. O Ibovespa tombou mais de 2%. O dólar, em escárnio, subiu mais de 1%.

Foi uma hecatombe financeira. Uma canetada que virou terremoto. E a plateia, assustada, quis ouvir do ministro alguma explicação, algum mea culpa, talvez um gesto de lamento. Mas Dino, sereno, respondeu com ironia: “Não sabia que eu era tão poderoso.”

Era como se o bombeiro, depois de incendiar o quartel, se declarasse surpreso com a força do fósforo que faz.

Sim, senhores, tratou-se de uma cagada em escala bíblica. Não uma cagada banal, dessas que se limpam com papel higiênico e desinfetante. Mas uma cagada de Estado, com capitalização bilionária, com cheiro de dólar queimado, com investidores correndo como barata assustada.

A metáfora não é gratuita. Porque todo erro tem cheiro, e esse tinha cheiro de banheiro mal lavado, cheiro de descuido, cheiro de vergonha pública. E foi nesse momento, no meio do fedor, que me veio à memória uma lenda antiga, que circula como fantasma nas universidades brasileiras.

Dizem – e no Brasil sempre se diz muita coisa – que, em tempos de revolta estudantil, um jovem insurgente invadiu uma reitoria. Não gritou palavras de ordem, não escreveu panfletos, não citou Marx nem Gramsci. Não. O rapaz, num gesto puro de escárnio, fez a mais primitiva das manifestações: abaixou as calças e esvaziou o intestino – e o ato, narrado  em sussurros e gargalhadas, virou mito. Uns dizem que foi bravura, outros que foi barbárie. Alguns juram que o tapete nunca mais se recuperou. Não se sabe se é verdade ou invenção, mas pouco importa: o que importa é o símbolo.

Porque no Brasil, meus senhores, sempre foi assim. Quando não sabemos protestar, defecamos. Quando não sabemos governar, defecamos. Quando não sabemos julgar, defecamos. O país é um banheiro coletivo, e cada crise nacional é mais um vaso entupido.

A cagada estudantil foi, no máximo, uma caricatura de protesto. Não derrubou bilhões, não alterou o câmbio, não fez tremer o sistema financeiro. Mas a cagada togada de Dino – ah, essa sim, foi um espetáculo teatral. Derrubou ações, devorou fortunas, lançou pânico no mercado. Uma cagada de toga é sempre mais nociva que uma cagada de calça jeans.

E, no entanto, ambas se encontram na mesma lógica absurda. O estudante que defeca no gabinete e o ministro que defeca na economia são irmãos espirituais. Ambos deixam marcas que não se limpam. Ambos fazem rir e chorar ao mesmo tempo. Ambos provam que o Brasil é, acima de tudo, um país escatológico.

Talvez seja esse o nosso destino: rir das tragédias e chorar das farsas. Transformar todo ato solene em piada de banheiro. Enquanto os americanos escrevem leis que punem tiranos internacionais, nós escrevemos decisões que punem os bancos nacionais. Enquanto a Europa ergue catedrais góticas, nós erguemos mitos de defecadas em carpetes universitários.

O Brasil é essa tragicomédia infinita, em que cada cagada é simultaneamente grotesca e sublime. Dino, com sua canetada, apenas atualizou a tradição: fez a cagada solene, a cagada bilionária, a cagada oficializada no Diário da Justiça.

E quando a História for escrita, talvez os cronistas digam: “Aqui jaz o Brasil, país que transformou cada decisão em fezes e cada fezes em decisão.”

Senhores, a cortina cai. O palco escurece. Resta apenas o odor – aquele mesmo odor que insiste em não desaparecer, lembrando-nos de que, no Brasil, toda cagada é eterna.

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