O que é fake news?
Não há, ainda, uma definição consensual e precisa do que seja uma fake news, tampouco uma caracterização legal do que ela venha a ser. Por isso, é muito difícil tipificá-la como crime.
O único consenso possível, por ora, é que uma fake news é uma notícia, e não uma opinião. Não é, sejamos claros, exatamente uma notícia falsa, melhor dizendo uma notícia que não corresponde aos fatos, pois qualquer pessoa pode dar uma notícia falsa por falta de informação ou por ter recebido e acreditado em uma informação incorreta, como também pode dar uma notícia falsa por uma particular apreensão dos fatos distorcida pelas suas visões, opiniões ou crenças – em outras palavras, por ignorância ou por visão de mundo distorcida.
Uma fake news é a notícia fraudulenta utilizada com a pretensão de enganar, de confundir, de fazer as pessoas acreditarem que aconteceu o que não aconteceu, ou vice-versa, para obter vantagens na luta política contra algum adversário? É isso? Se for, quem estará, no mundo político, livre de ter disseminado algo assim? Ademais, como distinguir com clareza o propósito da notícia, afinal as informações difundidas por ignorância são muito semelhantes?
A história brasileira é rica em exemplos de notícias ou de fatos fraudulentos disseminados com o objetivo de auferir ganhos políticos. Pinço alguns, o mais recente ocorrido há dez anos. O mais antigo há mais de um século.
I – Cartas falsas (Arhur Bernardes)
Durante a República Velha houve três eleições mais acirradas, uma delas a de 1922, quando Arhur Bernardes venceu Nilo Peçanha. O quadro era de radicalização política e cinco meses antes da eleição, os adversários do candidato mineiro disseminaram no jornal Correio da Manhã, da capital da república, duas cartas atribuídas ao presidenciável da terra das alterosas, com o objetivo de lançar o Exército contra ele. A primeira das missivas dizia ser o marechal Hermes da Fonseca, ex-Presidente da República, um “canalha (…), sargentão sem compostura” e afirmava que o banquete oferecido ao ex-primeiro mandatário da nação pelo Exército, que lutava para que o marechal voltasse ao Palácio do Catete, sede do governo federal, “uma orgia” e dava a opinião de Arthur Bernardes, para quem, segundo a carta, os “generais anarquizadores” deveriam ter “uma reprimenda para entrar na disciplina”. Hermes da Fonseca terminou não sendo o candidato oposicionista e em seu lugar entrou o senador Nilo Peçanha, logo apoiado pelos militares. Na sequência, nova carta dizia que Bernardes não tinha medo dos militares e que Nilo Peçanha era um “moleque capaz de tudo”. Diante do quadro de assanhamento político das forças armadas, Bernardes denunciou que as cartas haviam sido escritas por um falsário, fato posteriormente comprovado por exames grafotécnicos (https://memoria.bn.gov.br/pdf/103730/per103730_1921_00304.pdf); (file:///C:/Users/sergi/Downloads/3438-Texto%20do%20artigo-12641-1-10-20221127.pdf).
II – Plano Cohen
Em 30 de setembro de 1937, o general Goés Monteiro (Chefe do Estado-Maior do Exército) disse, na Hora do Brasil, haver um programa elaborado pelos comunistas que pretendia derrubar Getúlio Vargas da Presidência da República. O documento era, de acordo com as autoridades governamentais, um plano dos comunistas que iria causar tumultos entre operários e estudantes, incendiar casas e prédios públicos, organizar e propagar manifestações populares com o objetivo de saquear e depredar patrimônios, eliminar autoridades civis e militares que se opusessem aos atos e, por fim, exigir a liberdade de presos políticos. O Plano Cohen, como ficou conhecido, era uma fraude montada por militares integralistas. Cumpriu a missão de amedrontar o mundo político e empresarial. Vargas solicitou ao Congresso Nacional a decretação de Estado de Guerra, concedida no dia 1º de outubro e, com apoio de várias lideranças políticas e militares, quarenta dias depois (10 de novembro) deu um autogolpe, outorgou uma Constituição e implantou a ditadura do Estado Novo, que alargaria o seu mandato até 1945 (https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/16143/14696); (https://memoria.bn.gov.br/pdf/126535/per126535_1972_00052.pdf).
III – Carta Brandi
O jornalista e deputado federal Carlos Lacerda leu, no dia 16 de setembro de 1955, num programa de televisão um documento com acusações muito graves contra João Goulart, ex-Ministro do Trabalho de Getúlio Vargas e então candidato a Vice-Presidente na chapa de Juscelino Kubitschek. O documento recebeu o título de Carta Brandi (https://www.researchgate.net/figure/Figura-2-Fac-simile-da-carta-Brandi-publicada-em-Tribuna-da-Imprensa_fig2_319158428), por estar supostamente assinada pelo deputado argentino Antonio Jesús Brandi. Com a tal Carta na mão, Lacerda passou a acusar Jango de corrupção e de articular, em consórcio com Juan Perón, Presidente da Argentina, um movimento armado para instalar uma República Sindicalista no Brasil. Jornais publicaram o documento e a farsa durou até outubro, quando um inquérito atestou que o documento era forjado. A Carta Brandi era parte do esquema articulado para impedir a posse de JK (https://memoria.bn.gov.br/pdf/089842/per089842_1955_19192.pdf).
IV – Caso Lurian
A primeira eleição direta para a Presidência da República após do fim do regime autoritário (1964-1985) foi marcada por jogadas e manipulações montadas pela coordenação da campanha de Fernando Collor contra Lula, a saber, a edição do último debate transmitido pela televisão e, principalmente, o caso da exposição da vida privada do candidato do PT, a saber, a contratação de um antiga namorada do petista, Miriam Cordeiro, mãe de sua filha Lurian, então com 15 anos de idade e muito ligada ao pai, para enlameá-lo (https://youtu.be/fesJBQsTNCM?feature=shared) (https://youtu.be/5ZNQwI5yqkA?feature=shared). Assim escreveu Mônica Bergamo na Folha de São Paulo: “Há 20 anos, Lurian Cordeiro Lula da Silva viu a mãe, Miriam, surgir na televisão e afirmar que seu pai, Lula, ‘me ofereceu dinheiro para abortar’. Numa cena financiada e levada ao ar por Fernando Collor de Mello, que disputava a Presidência, Miriam contou ainda que, depois do parto, ‘entregou a filha no colo’ de Lula e disse: ‘Agora, você mata’. A imagem teve impacto histórico. O pai de Lurian perdeu a eleição. Em 1989, ela tinha 15 anos” (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2607200907.htmhttps://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/123456789/1341/2/20164820.pdf); https://www.uol.com.br/eleicoes/2014/album/2014/10/17/pegou-pesado-o-arsenal-das-campanhas-eleitorais-na-historia.htm)
V – Campanha contra Marina Silva (2014)
Marina Silva era companheira de chapa de Eduardo Campos, em 2014. A campanha seguia sem grandes atropelos, com Dilma Rousseff e Aécio Neves disputando a dianteira e Campos mais atrás. O cenário mudou quando o avião no qual viajava o ex-governador de Pernambuco caiu, no dia 13 de agosto, em Santos, matando-o. Marina foi alçada à cabeça da chapa e seu desempenho inicial foi bem significativo. Logo a ambientalista empatou com Dilma, do PT, e passou 20 pontos do tucano Aécio. Simulações do segundo turno punham Marina dois dígitos à frente da candidata petista. Em setembro, porém, a candidatura de Marina começou a ruir, fruto das bem-sucedidas táticas de ataque do PT e do PSDB. Dilma, por exemplo, apontou Marina como candidata dos bancos e dos conservadores e chegou a compará-la aos ex-presidentes Jânio Quadros e Fernando Collor – eleitos com pouco apoio do Congresso e que, por isso, tiveram os mandatos abreviados (ironia, Dilma sofreu impeachment em 2016), enquanto Aécio martelava na inconstância das propostas de governo de Marina e nas suas raízes petistas, logo distante da candidata que se apresentava como negadora da velha política. Dilma e Aécio foram para o segundo turno, com a petista sagrando-se vencedora. Em 2018, quando deixava a presidência do TSE, Luiz Fux classificou, segundo o Valor Econômico, como fake news uma propaganda veiculada pelo PT na campanha à reeleição de Dilma Rousseff em 2014. (…) Sem citar nomes, Fux descreveu uma inserção na TV contra a proposta de independência do Banco Central apresentada por Marina Silva, então candidata do PSB à Presidência, e afirmou que a propaganda do PT ‘derreteu em menos de uma semana uma candidatura” e ‘acabou com a candidatura, que era considerada exitosa’.” (https://youtu.be/gxsGkWJrVbg?feature=shared) (https://periodicos.uff.br/revista_estudos_politicos/article/download/39785/22875); (https://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/22/politica/1411413204_446746.html); (https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/ex-marqueteiro-do-pt-diz-que-faria-de-novo-ataque-polemico-contra-marina); https://www.dw.com/pt-br/fake-news-n%C3%A3o-come%C3%A7aram-com-trump-mas-com-dilma-em-2014/a-43679491); (https://valor.globo.com/politica/noticia/2018/08/13/fux-classifica-como-fake-news-propaganda-do-pt-contra-marina-em-2014.ghtml).
A alucinação de apontar como fake news toda e qualquer fragilidade informativa e as manifestações de opinião precisam ter um freio. Se todos os ignorantes e crédulos forem processados e presos por ignorância e credulidade, faltarão varas judiciais e presídios para tanto. Igualmente, se políticos que mentem forem processados e presos por mentirem durante os pleitos dos quais participarem.