Patrioteiros

por Sérgio Trindade foi publicado em 20.jul.25

Em meados do século XVIII – quando ainda se podia dizer algo sem ser cancelado ou excomungado pelo X, Instagram, etc –, o literato inglês Samuel Johnson cravou uma frase como quem craveja um epitáfio na lápide da moral pública: “O patriotismo é o último refúgio do canalha.” Há sentenças que cheiram a enxofre e outras que cheiram a verdade. Essa, meus caros, carrega o odor de ambas.

Johnson falava dos Patriotas, o partido que, com a nobreza de um prostíbulo, começava a abrigar todo tipo de oportunista bem trajado. O próprio Johnson, que não era santo nem cínico, percebeu que o amor à pátria virava, com uma facilidade pornográfica, pretexto para os golpes mais vis. Com o tempo, a sentença virou um bordão de quem enxerga além da caserna e percebe que o patriotismo é, muitas vezes, a desculpa de quem já gastou todas as outras. É o biombo atrás do qual se esconde o canalha de terno, farda ou toga.

A esquerda brasileira, mesmo aquela com tesão por nacionalizações, nunca foi íntima da pátria. No máximo, teve um caso mal resolvido. A direita tampouco. O amor patriótico, esse sentimento trêmulo e inflamado, sempre habitou os bolsos de uma direita carnavalesca — mais interessada no verde-amarelo da bandeira, e da camiseta da seleção brasileira, do que no verde da Amazônia ou no amarelo-hepatite do salário-mínimo. E mesmo esse patriotismo era um simulacro: pose para a foto, lágrima ensaiada, hino cantado em playback.

Foi em 2018 que o então candidato Jair Bolsonaro, uma espécie de D. Quixote que vestiu farda verde-oliva-WhatsApp, arrancou do túmulo a tríade que só emociona algumas parcelas da sociedade brasílica: Deus, Pátria e Família. A esquerda urrava. Ralhava. Enfurecia-se como quem vê o antigo consorte com outra no Natal. Pois bem. Sete anos se passaram, e os papéis viraram como num teatro de revista: a esquerda agora faz juras à pátria enquanto os Bolsonaro e seus apóstolos imploram por sanções norte-americanas contra o Brasil – ou contra algumas excelências brasileiras, vá lá. Um vexame diplomático de fazer corar um poste.

Nosso Judiciário – essa entidade oracular que ora é templo, ora é palanque – ainda se diz independente. Donald Trump não acredita nem que o tempo passa, imagine se vai acreditar nisso. A verdade é que nossa Suprema Corte mais parece um gabinete do Executivo com toga e voto. Mas esse é um problema nosso. Do nosso prostíbulo institucional. Não cabe ao Tio Sam nos ensinar a ser sérios. O máximo que pode fazer é aquele teatrinho diplomático de sempre: uma conversa mole ali, uma pressãozinha acolá.

Mas sejamos honestos – com a honestidade cruel dos bêbados e dos velhos: parte do circo foi armado pelo próprio Lula e sua língua paradoxalmente presa e solta, que quer reinventar o mundo financeiro como se estivesse numa roda de boteco no ABCD. Trump, velho pavão ensandecido, respondeu com a delicadeza de um rinoceronte. E aqui estamos: à beira de um barranco retórico, com um fósforo na mão e gasolina no discurso.

Nenhum país do mundo, nem mesmo as ditaduras de opereta, resolveu comprar briga com os Estados Unidos. Nenhum… exceto o Brasil. Claro! O Brasil não perde uma chance de ser protagonista do próprio vexame.

Trump é um populista de manual, desses que rasgam a Constituição com a mesma empolgação com que rasgam bilhetes de amor. Mas isso não faz de Lula um Wiston Churchill tropical. O fato de Trump ser grotesco não torna Lula sublime. Defender o Brasil é um dever. Armar guerra de palavras com o presidente da maior potência do planeta é um capricho adolescente.

Lula não é o responsável direto pelos mísseis retóricos de Trump. Mas, como um garoto que provoca o valentão da escola só para apanhar e fazer cena, ele cutucou, cutucou, e agora se faz de vítima. Não provocou a agressão, mas acenou para ela com um sorriso de Monalisa, como se estivesse preparando o ringue Ou o palanque, o único lugar onde realmente se sente bem e à vontade.

Tudo isso – e aqui o teatro vira farsa – é para não perder o poder em 2026. Lula e o PT estão dispostos a tudo, inclusive brincar com isqueiro perto do paiol. A alternância democrática, esse conceito simples como um beijo de mãe, virou palavrão entre os que ocupam o Planalto. Eles não querem sair – nem de ré.

Lula continua o jogo. Joga sujo com elegância. Finge que luta pela pátria quando luta, na verdade, por mais quatro anos de mandato. Usando metáfora de futebol, tão ao gosto do ex-metalúrgico: Lula cavou a falta, queria o tranco e agora quer marcar o gol do martírio patriótico. De salvador da democracia, sonha virar também o herói da soberania, mesmo que essa soberania seja só um enredo de escola de samba fora de época.

Montagem feita com IA

Ciro Gomes, com a frieza de um cirurgião e a ironia de um cronista envelhecido, disse: “Nada como um inimigo externo para distrair uma nação e levar Lula e aliados a se refugiarem, como sempre fizeram os canalhas, no patriotismo.”

Foi uma frase e um epitáfio.

Samuel Johnson ressuscitou no coronel da família Gomes.

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