Quando a história vai da tragédia à farsa

por Sérgio Trindade foi publicado em 20.nov.24

A Polícia Federal esteve nas ruas com a Operação Contragolpe e, segundo o que foi divulgado, as investigações apontam que uma “organização criminosa se utilizou de elevado nível de conhecimento técnico-militar para planejar, coordenar e executar ações ilícitas nos meses de novembro e dezembro de 2022. Os investigados são, em sua maioria, militares com formação em Forças Especiais (FE).”

Foi identificado detalhado planejamento operacional, denominado Punhal Verde e Amarelo, o qual seria executado no dia 15 de dezembro de 2022, com ações que incluíam o assassinato do Presidente e do Vice-Presidente da República eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin, respectivamente.

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, vinha sendo continuamente monitorado e seria executado, caso o golpe de Estado fosse efetivado.

Policiais federais cumpriram mandados de prisão e de busca e apreensão e medidas cautelares diversas da prisão.

O Exército Brasileiro, que teve alguns implicados na trama, acompanhou o cumprimento dos mandados que foram efetivados no Amazonas, Distrito Federal, Goiás e Rio de Janeiro.

A movimentação eletrizou as redações de jornais, os estúdios de rádios e televisões, o Congresso Nacional e todo o mundo político. As redes sociais estiveram, ao longo do dia, inflamadas. A palavra golpe tornou-se por horas a mais mencionada aqui nos trópicos, mas ouso dizer que o planejamento do golpe foi articulado pelas Organizações Tabajara, tal o amadorismo.

Esse pessoal parece que não leu os manuais políticos e nunca passeou pelas páginas da história pátria.

Em 1937, o capitão Mourão Filho montou um plano junto às hostes integralistas que serviu de pretexto para Getúlio Vargas, em novembro de 1937, violar a Constituição promulgada três anos antes. O mesmo Mourão, em 1964, de forma atabalhoada, é verdade, movimentou as tropas, com dias de antecedência, em direção ao Rio de Janeiro, para emparedar o governo mambembe de João Goulart. Em ambos os momentos, Popeye, como era jocosamente chamado nas fileiras castrenses Mourão Filho, venceu. E estamos falando de um militar trapalhão.

Agora, os kids pretos, forças especiais do Exército Brasileiro, atabajaram o golpe, instituição política criada pelo romano Júlio César, aperfeiçoada pelo seu sobrinho Caio Otaviano, depois alçado a imperador com o nome de Augusto, e elevado quase à perfeição por um general francês nascido na Córsega, Napoleão Bonaparte.

Não tenho muitas dúvidas sobre a pretensão continuísta ilegal, ali por volta de 2021-2022, de Jair Bolsonaro na Presidência da República, mas suspeito – e muito – de que não haja grupos políticos e militares organizados e com poder de fogo para solapar a brasileiríssima democracia portadora de necessidades especiais (DPNE).

Não creio que venha a ocorrer, vindo da direita ou da esquerda, golpe de Estado no Brasil. Talvez ocorra investimento, isso sim, investimento maciço e continuado na polarização política e um desgaste crescente até 2026.

O governo Lula e o PT e seus aliados sabem que a campanha de 2026 será muito difícil e que há grande o risco de derrota eleitoral. Por isso, Bolsonaro será cozinhado em fogo brando enquanto foi conveniente, pois a tática garante a manutenção do discurso da defesa da democracia contra os golpistas – todos que não votarão em Lula ou em quem ele mandar.

Caso o medo cresça, os grandes veículos de comunicação seguirão fazendo, a soldo, o serviço de assessoria de imprensa. No limite, haverá nova carga para aprovar regulamentação das mídias sociais, cortando o restinho de oxigênio de quem ouse discordar.

Recentemente o Presidente Lula recolocou no discurso a palavra negacionista, a qual ele não usava há certo. Foi recurso retórico para remeter a Nação aos acontecimentos de 2019-2020. É a tática do medo. No passo que vamos, logo o 8 de janeiro entrará, por canetada, no calendário cívico nacional, dando azo para transformar a presumida tentativa de golpe de 2022 em uma espécie de ameaça constante. Uma farsa.

Sobre o 8 de janeiro e sobre o ocorrido nesta semana, que os culpados sejam punidos na dosagem certa. Os casos, porém, não podem ser utilizados para polarizar ainda mais a sociedade insinuando que há ameaça real de golpe de Estado no Brasil, porque, sejamos claros, a armação da extrema-direita bolsonarista foi inteiramente desarticulada e só teve alguma chance de prosperar enquanto Bolsonaro comandava o país.

O único risco que corremos atualmente é a instrumentalização de ameaça pretérita para fins muito pouco republicanos.

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