Tarcísio de Freitas: o equilibrista sem rede

por Sérgio Trindade foi publicado em 13.set.25

Tarcísio de Freitas conseguiu a proeza de ser o único político brasileiro que arranca sorrisos, ainda que enviesados, de Lula e de Bolsonaro. É um feito digno de registro histórico: agradar ao mesmo tempo o petista que sonha repetir em 2026 a encenação de 2022 e o capitão que exige fidelidade canina de seus seguidores. A façanha, porém, tem menos a ver com talento político e mais com a fragilidade estrutural do governador paulista.

Para Bolsonaro, Tarcísio agrada se repetir, sem tirar nem pôr, o discurso radical do chefe. Para Lula, Tarcísio é o adversário ideal, uma caricatura bolsonarista que lhe permite reeditar a polarização que o levou de volta ao Planalto. Resumindo: Tarcísio pode ser o adversário dos sonhos de Lula e a muleta de Bolsonaro.

Imagem feita com auxílio de IA

O problema é que não se governa São Paulo, nem se chega ao Palácio do Planalto, apenas com palavras emprestadas. E Tarcísio tem até agora se comportado como um ventríloquo da política: a boca se mexe, mas a voz é de outro. Quando se aventura a falar por conta própria, escorrega no improviso. Quando busca gestos de moderação, a tropa bolsonarista rosna. Quando radicaliza, o eleitor médio atravessa a rua. É o dilema do candidato sem capital político próprio, que: tenta acender uma vela para Bolsonaro e outra para o centrão.

Bolsonaro não confia em herdeiros espontâneos. Sérgio Moro, outrora ministro superpoderoso da Justiça e hoje tratado como traidor profissional é um exemplo. Com Tarcísio, a relação é cordial, mas fria. O ex-Presidente já deixou claro que não abre mão de ser o fiador da candidatura. É um cheque que Tarcísio ainda não tem como assinar. Para completar, os filhos de Bolsonaro enxergam no governador paulista um concorrente incômodo. A fidelidade de Tarcísio, proclamada em entrevistas e discursos, não elimina a suspeita de que ele gostaria de construir voo solo. O bolsonarismo radical fareja traição em cada gesto mais moderado – e não perdoa.

Do outro lado, o centro político olha para Tarcísio como quem examina um carro usado: parece promissor, mas o motor tem um barulho estranho e a caixa de marcha range. Os partidos médios do centrão, acostumados a negociar com qualquer governo, ainda não enxergam nele uma liderança confiável. Falta musculatura, falta biografia, falta sobretudo autonomia. Como confiar num candidato que, a cada movimento, precisa olhar para trás para confirmar se Bolsonaro aprovou? A equação é simples: se o eleitorado enxerga em Tarcísio apenas o porta-voz de outro, para que votar no ventríloquo se pode escolher direto o dono da voz?

As dificuldades aumentam quando o governador tenta governar de verdade. O episódio do tarifaço de Trump mostrou bem a encruzilhada. Ao reagir à medida, Tarcísio conseguiu irritar simultaneamente a esquerda e os bolsonaristas. Para os petistas, foi a prova de que o governador está disposto a sacrificar o consumidor em nome de interesses privatistas. Para a tropa radical, foi sinal de fraqueza, de falta de coragem para enfrentar o establishment. Resultado: saiu menor do que entrou, como um equilibrista que tenta atravessar o arame e cai antes da metade.

Outro exemplo veio da relação com o Supremo Tribunal Federal. Tarcísio sabe que, sem diálogo com as instituições, qualquer candidatura presidencial naufraga antes de zarpar. Mas o simples ato de cumprimentar ministros do STF já é visto pelos radicais como um pecado capital. O bolsonarismo mais inflamado prefere candidatos que declarem guerra permanente às cortes, mesmo que isso custe a inviabilidade eleitoral. Quando Tarcísio acena à moderação institucional, apanha da própria base. Quando silencia para agradar aos radicais, fecha portas com o centro. É a repetição do dilema insolúvel.

Lula, sempre astuto, acompanha essa novela com a serenidade de quem tem o adversário que pediu a Deus. Para o petista, não há cenário melhor do que enfrentar um candidato que carrega no peito a marca do bolsonarismo e nas costas a sombra de Bolsonaro. Assim, o Presidente reedita o script de 2022: o combate do “democrata” contra a “ameaça autoritária”. Quanto mais Tarcísio se aproxima de Bolsonaro, mais fácil Lula o enquadra como radical. Quanto mais tenta se afastar, mais fácil perde apoio da própria base. É a armadilha perfeita.

A isso se soma a falta de capital político genuíno. Tarcísio não tem história eleitoral construída. Chegou ao governo de São Paulo embalado pela máquina bolsonarista e pela rejeição a candidatos desgastados. Até agora, não mostrou traços de liderança própria. Sem essa musculatura, fica condenado ao papel de satélite: gira em torno de Bolsonaro, mas não tem luz própria. A cada pesquisa eleitoral, os números refletem esse impasse: é competitivo o bastante para animar aliados, mas frágil demais para assustar adversários.

Há quem diga que Tarcísio é pragmático. Pode ser. Mas pragmatismo sem base vira oportunismo – e oportunismo não sustenta candidatura presidencial. Ele tenta agradar a todos, mas acaba desagradando a muitos. É o político que elogia Bolsonaro de manhã, acena ao centrão à tarde e se diz independente à noite. No dia seguinte, desmente a si mesmo. Essa oscilação permanente gera desconfiança, pois ninguém aposta num candidato que muda de discurso ao sabor do vento.

Enquanto isso, o Brasil segue refém da polarização. De um lado, o lulismo, sustentado por uma máquina partidária robusta e por uma retórica que se alimenta do medo do bolsonarismo. Do outro, um bolsonarismo que insiste em candidatos moldados à sua imagem e semelhança, mesmo que isso signifique a derrota. Tarcísio se oferece como síntese impossível: bolsonarista moderado, radical palatável, extremista light. É como vender água seca ou fogo molhado. A mercadoria não existe.

É claro que o jogo ainda está em aberto. A política brasileira já mostrou que tudo pode mudar em dias. E ainda faltam meses para a definição das candidaturas. Mas, até agora, o que se vê é um candidato encurralado, numa sinuca. O governador paulista se comporta como jogador de xadrez que só aprendeu a mover os peões. Sem estratégia, acaba sacrificando peças sem sentido, esperando que o adversário cometa um erro monumental. Lula dificilmente cometerá. Bolsonaro, por sua vez, prefere manter Tarcísio como plano B, nunca como protagonista.

O eleitorado percebe essa fragilidade. O cidadão comum pode não acompanhar cada intriga de bastidor, mas reconhece quando um candidato não transmite segurança. Tarcísio ainda não mostrou a firmeza de quem tem um projeto de país. Mostrou, no máximo, a habilidade de quem tenta sobreviver no fio da navalha, sem cair para um lado ou para o outro. Mas campanha presidencial não é corda bamba. É maratona. E, numa maratona, quem começa correndo para agradar a todos costuma terminar sem fôlego para conquistar ninguém.

No fim das contas, Tarcísio é hoje um candidato inviável. Radicalizar demais o afunda no pântano da rejeição nacional. Moderação em excesso o transforma em alvo de abandono pela base bolsonarista. Não tem como agradar simultaneamente a Bolsonaro, ao centrão e ao eleitor médio. Não há vela que queime para dois santos ao mesmo tempo. O que existe, sim, é um político que se ilude acreditando que pode rezar em duas capelas opostas sem ser chamado de oportunista.

A crônica política de 2026 talvez registre Tarcísio como a promessa que não se cumpriu. Aquele que poderia ser, mas nunca foi. Aquele que, por tentar ser dois em um, terminou sendo nenhum. Para Lula, ele continuará sendo o adversário ideal. Para Bolsonaro, um soldado fiel, mas descartável. Para o eleitor, um governante que fala alto, mas com a voz emprestada. E, para a história, um personagem que quis ser herdeiro sem ter herança, líder sem seguidores e candidato sem destino.

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