O ensino da desordem
Professor por vocação há quase quarenta anos, estava Luiz Alves de Melo, em 2021, com sua única filha, então com dez anos, dirigindo-se à sala de professores para pegar o material e dirigir-se à sala de aula, quando encontrou-se com o diretor da instituição.
Depois dos cumprimentos de praxe, o diretor perguntou se Doriana, a filha de Luiz, iria estudar na escola. De imediato, Luiz, que, além de professor é dono de prostíbulo famoso, respondeu que não e encerrou o assunto:
– Ela só entrará aqui comigo. Nem na calçada desse lupanar ela põe os pés. Sou dono de cabaré e no meu cabaré tem ordem: ninguém põe a mão no alheio, a memória dos mortos é respeitada, pilantra não vira freguês de minhas meninas. Diferente dessa joça. Mas, veja, se minha filha insistir, paciência, estudará aqui. Farei, entretanto, o possível para que ela não faça tal escolha. Não confio nessa escola porque ela deixou de ser escola e tornou-se um prostíbulo de quinta categoria.
– Vi, em 2019, um pai andando meio distraído pelo pátio da escola e, achando-o com o olhar entre curioso e assustado, aproximei-me e perguntei se estava procurando alguém ou algum setor específico.
Disse-me que vinha de um outro estado, transferido, e seus filhos, cursando 1º e 3º ano do ensino médio, tinham direito às vagas, mas que não estava gostando do via e ouvia.
Luiz descreveu as suas impressões sobre o que o pai disse:
– O pai, morando recentemente na cidade, buscou informações sobre a escola e não lhe deram boas informações, embora muitas pessoas afirmassem que tinha excelente corpo docente e boa estrutura física. Ele queria uma escola tradicional, que desse aos filhos boa base de leitura e de conhecimento científico, sem se descuidar dos valores morais, e esperou encontrar ali o ambiente propício para que seus filhos pudessem estudar. Mas ouviu surpreso que a escola teve passado glorioso, tem presente atribulado e terá futuro incerto. Pais que um dia foram alunos ali e ex-professores falaram maravilhas do que a escola foi, mas criticavam duramente o que ela se tornou. Por isso, disse o pai, estava ali para conferir. Conversou com alunos, passando-se por funcionário do Ministério da Educação, e alguns disseram que as aulas se tornaram detalhe. Havia tempo e espaço para tudo, quase sempre subtraídos do tempo da sala de aula, havia quase ausência de limites para os alunos e os conteúdos eram prejudicados por falta de tempo de aula e por desinteresse do corpo discente, forçando os professores a replanejarem os conteúdos, tornando-os mais fáceis. O pai continuou dizendo que os seus filhos não queriam estudar na escola, porque queriam estudar. Escola sem disciplina, disse-me o pai, não funciona, e eu concordei com ele. Em quase tudo.
Para ambos, Luiz e o pai dos jovens que pretenderam fazer os estudos na escola, o que está em questão não é a vitalidade entusiasmada e entusiástica dos adolescentes, fase difícil da vida, como quem é pai/mãe ou professor/professora deve saber, mas a confusão barulhenta ou silenciosa que carregam para a sala de aula.
A atitude dos jovens, recorrendo ao pai, não é atitude moralista superior de crítica somente aos quase futuros colegas, mas uma crítica à instituição escolar, essa invenção tão antiga quanto a própria civilização, e um pedido de socorro pelo seu próprio (deles) futuro.
Os jovens expressaram o seu descontentamento com um ponto extremamente delicado para qualquer escola, não saber como administrar os comportamentos antissociais de seus alunos. O que o pai e os seus jovens filhos expuseram é tão-somente um dos grandes entraves ao trabalho dos professores: a indisciplina escolar.
Escola, professores e pais parecem estar em campos opostos. Todos acreditam que a indisciplina deva ser combatida, ainda que muitos pais briguem com a escola quando os seus pimpolhos são reprimidos por extrapolarem as regras da boa convivência, incluindo a da cobrança acadêmica. Para evitar problemas, a escola embarca na canoa furada. Os alunos adoram o desleixo, até o momento que percebem como a ignorância será um entrave para o seu futuro. Em meio ao vendaval, os professores cruzam os braços e deixam a canoa afundar.
– Só se vive em sociedade se regras básicas de convivência forem acatadas por todos. E à escola, por meio do seu quadro dirigente e do corpo docente, cabe fazer chegar aos alunos as regras praticadas no espaço escolar – e isso deve ir além da simples exposição dessas regras. Como os alunos irão transgredir as regras, pois o comportamento transgressor faz parte do processo de formação dos indivíduos, é necessário que os mecanismos de regulação se expressem. Trocando em miúdos, a escola não pode ser indulgente com os comportamentos que tornam letra-morta as regras do espaço escolar. Os professores devem agir com coerência, estabelecendo, por meio da construção de um ambiente constante de diálogo e reflexão, os parâmetros com firmeza. À escola cabe aplicar, com justiça, as sanções adequadas aos alunos transgressores. Aos professores milagrosos, que sempre recorrem à fórmula do comigo não tem indisciplina, um conselho – não mintam. A vocês cabe um bom naco de responsabilidade pelo fato de o ambiente escolar estar se degradando.
E concluiu:
– Nada disso ocorre aqui. O meu cabaré é mais organizado. Pretendo – e vou – criar um colégio, com ensino técnico. Será, num país avacalhado como o nosso, um sucesso, com regras claras, com respeito às pessoas, aos profissionais, aos bens de todos.