Meus conflitos, conflitos do meu filho e conflitos do meu pai

por Sérgio Trindade foi publicado em 07.ago.24

Estou tranquilamente em casa, lendo, sem estresse algum, quando meu filho me procura para conversar. Diz estar em conflito. Noto algumas coisas estranhas há certo tempo: o menino tem tudo o que quer e o que o pai pode pagar. Logo, do ponto de vista material, não há do que reclamar.

Mas também não há, do ponto de vista afetivo, do que reclamar. Estou sempre disposto a dialogar, sobre assuntos triviais, do cotidiano e, também, sobre outros do interesse dele e do meu – esportes, filmes, educação, etc.

No entanto, não parece ser isso o que quer o meu filho.

Ele insiste em se dizer perseguido por mim, pelos professores e pela vida.

– O senhor me negligencia. O mundo me negligencia. Todos são injustos comigo. Menos mamãe, que até me surra, às vezes, porém está sempre ali, olhando-me, cuidando-se, alimentando-me.

A pobre criatura não estuda, não trabalha, não cumpre com as obrigações e, ainda assim, não enxerga uma única falha cometida. Ele se apresenta como justo; o mundo, injusto.

Para amaciar a carne e a alma, disse, ontem, mãe dele:

– Luís, ontem Amascien veio falar comigo. Estava muito estanho, claramente nervoso, com movimentos bruscos, apressados e repetidos. Não parava de mexer as mãos ou elas se mexiam involuntariamente, não sei. Os olhos dele passeavam do teto ao chão, como se ele quisesse evitar contato visual. Sentou-se, mas não se aquietou, ajeitando-se nervosa e repetidamente na cadeira. Estava tenso, respondendo às minhas indagações com voz trêmula e, por vezes, hesitante. Tinha dificuldade em articular as ideias. Quando dava uma pausa, olhava ao redor insistentemente, perscrutando o ambiente e encolhendo-se na cadeira. Era postura de quem estava lidando com excessiva carga de estresse motivada por conflitos internos.

E seguiu a diletante psicóloga e má educadora a cantilena.

Terminada entrevista com a mãe de meu filho, da qual saí quase chorando, fui ao supermercado e lembrei-me de situação que, há quatro décadas e meia, ocorreu comigo e meu pai.

Estávamos na fila do caixa do supermercado e meu pai olhou para os lados, buscando apoio – e nada. Os preços das mercadorias avisavam cinicamente que o salário dele precisava subir, no entanto caminhava devagar. Em velocidade muito mais lenta do que a carestia. Um engravatado, claramente em situação financeira muito superior à de meu pai, zombava de nós mexendo nos produtos do seu carrinho cheio. Produtos caros. Muitas guloseimas. Algumas eu jamais vira. Meu saudoso pai arriou diante de mim, não sem antes gritar: Estude, porra!

 

EM TEMPO; texto ficcional

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