A alegria não pode se apagar (ou De como Kaká esbanjava alegria)
Carlos Augusto era o nome de Kaká, amigo falecido na última terça-feira (08/03), vítima de infarto, oito dias depois de Max, sobre quem eu escrevi semana passada e também vítima do mesmo mal.
Como todos nós, Kaká sentiu muito a morte precoce de Max e, agora, todos sentimos a morte também precoce de Kaká, que estava para completar seis décadas de vida.
A alegria de Kaká estava na luta, nas tentativas de superar dificuldades, no sofrimento envolvido, na força para superar obstáculos e viver e nunca na vitória propriamente dita. Esta era só consequência daquelas. E vivendo alegre e distribuindo alegria, Kaká nos fez, a todos que com ele convivemos, alegres.
William Shakespeare disse certa vez que a alegria evita muitos males e prolonga a vida. Não é possível conferir, por meio de dados, se o genial bardo inglês estava correto ou não, mas é possível dizer que a alegria de Kaká, um homem de astral muito bom, sempre pronto a tirar uma brincadeira, sempre rindo, sempre com uma piada na ponta da língua, fez-nos muito bem, porque, como ensinou o filósofo alemão Friedrich Nietzche, “a objeção e o desvio, a desconfiança alegre e a vontade de troçar são sinais inequívocos de saúde e qualquer coisa que se apresente como absoluta está no âmbito da patologia”. E eu completo: e também no âmbito do egoísmo e da mesquinhez, traços da personalidade que passavam longe de Kaká.
Conheci Kaká num carnaval, quando, à frente de um grupo de São Vicente, participou, em Florânia, de uma confraternização com vários blocos carnavalescos do Seridó. Corria o ano de 1988 e dali em diante encontrei-o várias vezes em Natal, no Centro Administrativo, bairro de Lagoa Nova.
Fiquei bem feliz quando soube que namorava uma prima, Socorro, com quem se casou e teve dois lindos filhos, Laura e Victor. Fiquei feliz em poder participar de muitas confraternizações, sempre muito animadas, com ele e vários outros amigos. Eu que não o via desde novembro de 2019, fiquei feliz por poder reencontrá-lo, no último sábado (05/03), ainda que em momento triste (missa de sétimo dia de Max), e ouvi-lo, mesmo meio acabrunhado, dizer gracejos e fazer piada comigo e com ele mesmo.
Todas as despedidas carregam um pouco de sofrimento, no sentido espiritual. Uma, porém, dói na alma e no corpo, aquela da passagem da vida para morte, porque a vida insiste em ficar e é vencida pela sua rival mais forte e, às vezes, traiçoeira. Quando tal passagem ocorre de maneira súbita e inesperada, como se deu com Max e agora com Kaká, a dor cala fundo na alma e no corpo e palavra alguma de conforto consegue abrandar o sofrimento trazido pela perda. Só o tempo oferecerá respostas e o conforto definitivo.
Kaká se foi, mas muito dele ficou em cada um de nós que com ele compartilhamos belos e doces momentos de convivência amistosa, fraterna e alegre, regados a cervejas (ou algumas outras bebidas) e tira-gostos temperados com gozações envolvendo ABC e América, ele defendendo as cores do América, da vizinha Parnamirim (como eu sempre dizia, para desespero dele), e eu, as do Mais Querido. Vou lembrar sempre do seu bom humor visceral e, por isso mesmo, genuíno e autêntico, e de sua alegria de viver. Assim deve ser porque assim ele, homem de muito riso e pouco siso, gostaria que fosse.