As lavadeiras do rio das Quintas

por Sérgio Trindade foi publicado em 30.jan.25

Vindo de Extremoz dia desses, resolvi fazer percurso diferente do que sempre faço e, tomado por certo saudosismo, desci das imediações do viaduto da Urbana em direção ao KM6, para conferir como estava uma paisagem de minha infância, o rio das Quintas ou rio das Lavadeiras, local de antigo ganha-pão para dezenas de mulheres humildes.

O rio que é riacho está em situação periclitante. Lixo, esgotos clandestinos e um fedor nauseabundo tomam conta de um espaço que, na minha memória afetiva, tinha cheiro de sabão.

Lembrei-me de quando, na primeira metade dos anos 1970, vínhamos – papai, mamãe, minha irmã (Maria Luiza) e eu – de Florânia, no Seridó, passar alguns dias de férias em Natal.

Chegávamos à cidade, vindo por Macaíba e Mangabeira. Dali até chegar à avenida Rio Branco, na subida do Baldo, onde moravam minha avó (Deoclécia), minha tia (Deofran), meu primo (Jorge) e minha madrinha (Maria), passávamos no rio das Lavadeiras, nas Quintas, onde muitas e batalhadoras mulheres desenvolviam suas exaustivas tarefas de cuidar das roupas de grande parte das famílias de uma Natal ainda provinciana. Quase o mesmo caminho era percorrido, segundo Câmara Cascudo, desde o final do século XVIII para quem se dirigia ao Seridó e ao Oeste do estado: “O bairro das Quintas começou a surgir como localidade habitacional no final do século XVIII, sendo um pequeno e disperso bairro que se encontra no caminho do sertão, na pista das estradas que levam ao Seridó e Oeste, por Macaíba”.

Na Natal das décadas de 1960 e 1970 era comum ver lavadeiras/engomadeiras levando na cabeça grandes trouxas de roupa para lavar nas águas do rio das Quintas. Cada lavadeira tinha um local preferido à beira d’água, onde esfregava o sabão e batia as roupas para remoção da sujeira.

O rio das Lavadeiras é um afluente do Potengi e situa-se na confluência de três bairros: Quintas, Bom Pastor e Nordeste. Em alguns pontos havia pequenos olheiros. De acordo com Câmara Cascudo, era um “riozinho humilde, rio de Pedro Nevoa no século XVIII, rio das Quintas no século XIX e XX”.

As lavadeiras utilizavam a água riacho para realizar suas atividades de lavagem de roupas de cama e mesa (redes de dormir, lençóis, colchas, toalhas de mesa, panos de prato, guardanapos), banho (toalhas de banho, toalhas de rosto) e vestuário (calças, camisas, paletós, uniformes escolares, cuecas, pijamas, lenços, vestidos, anáguas, blusas, saias, calcinhas, sutiãs). Depois, em suas residências, completavam a tarefa executando a engomagem com ferro elétrico ou à brasa.

O trabalho era remunerado de acordo com a quantidade de peças lavadas e engomadas.

O cheiro do sabão em barra tomava o ar. Lençóis brancos espalhados no chão, quarando, ou pendurados em varais eram parte da paisagem.

Sempre que chegava em Natal e passava na ponte, o cheiro invadia ou parecia invadir o Jeep verde de meu pai. Nem sei mesmo se lembro do cheiro. Talvez a memória me traia. A lembrança, é certo, traz-me uma saudade forte e, ao mesmo tempo, boa, doída, sofrida. A saudade de papai, de mamãe, de vovó Deoclécia, de madrinha Maria, de minha infância, do Jeep… … das lavadeiras, de todos aqueles que se foram e, também, a saudade do cheiro bom de sabão e da brancura do mundo que as lavadeiras construíam para nos presentear.

Natal deve muito àquelas mulheres e ao rio que deveria ser parte da memória da cidade, de uma cidade que cresceu e se modernizou e parece não ter tempo para resguardar os seus personagens marcantes, o próprio passado e a própria história.

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