Congresso espalha a farofa
Desde o início do terceiro mandato do Presidente Lula – ou, como diriam os crentes políticos mais à esquerda do espectro ideológicos, Lula, o Ressurreto – o cenário fiscal brasileiro parece escrito por um cronista alucinado, com pena embebida em tinta vermelha.
Em 2023, o governo cavou um buraco digno de tragédia grega: o segundo maior déficit primário da história, R$ 230,5 bilhões. E por quê? Por que essa dinheirama foi tragada? Precatórios, renúncias, ICMS, compensações – termos técnicos para disfarçar o velho e conhecido hábito do Estado brasileiro: gastar o que tem e o que não tem, como um jogador viciado que hipoteca a alma e o sofá da sala, enquanto sonha em se tornar rico.
Apesar do chamado arcabouço fiscal – essa geringonça burocrática implantada em agosto de 2023 para fazer de conta que se impõe limites –, o esforço de ajuste é, digamos, elaborado com ideias coletadas na penteadeira de uma dondoca. Tudo ali é cosmético. O teto de crescimento real das despesas está entre 0,6% e 2,5%, mas o que se corta são fiapos, enquanto a dívida cresce como criança de folhetim vagabundo, de forma dramática e descontrolada. Analistas, esses céticos profissionais, já nem fingem entusiasmo (http://veja.abril.com.br+2tribunadopoder.com.br+2gr21.com.br+2). A maioria diz que os cortes são tão eficazes quanto curativo em aneurisma.
Em 2024, houve uma melhora, mas dessas que só convencem quem assiste à vida com os olhos fechados. Um déficit de R$ 43 bilhões (0,36% do PIB) foi celebrado com fogos, mas só foi possível graças a exclusões extraordinárias. Foram contidos gastos que seriam destinados a obras para prevenir enchentes, estiagens e talvez gafanhotos (http://brasildefato.com.br+1www1.folha.uol.com.br+1). Havia de tudo ali, menos responsabilidade fiscal. Sem as mágicas contábeis da turma do ministro Fernando Haddad, o rombo seria de R$ 11 bilhões. A criatividade, no Brasil, não está nos poetas, mas nos contadores do Tesouro.
Em 2025, o governo projeta um déficit bem-comportado, no limite da meta, coisa de R$ 31 bilhões (http://oglobo.globo.com+1www1.folha.uol.com.br+1). E para fingir que está fazendo o dever de casa, anuncia um contingenciamento do mesmo valor – o que, cá entre nós, é como enxugar gelo usando um maçarico. A intenção é nobre: equilibrar as contas. Mas o que se constata, de fato, é um acrobata tentando manter-se de pé numa corda bamba feita de boletos e recibos vencidos.
Apesar de todo esse contorcionismo, a dívida pública segue caminho ascendente na velocidade de um míssil balístico intercontinental. A dívida bruta já rompeu a faixa de 3/4 do PIB e ameaça alcançar os 80% com a desenvoltura de um emergente endividado comprando jatinho. Como cereja do bolo, a inflação de 2025 já flerta com os 5%, acima da meta oficial, enquanto o Banco Central dança um samba de juros e cambalhotas cambiais. Tudo isso sob o olhar sereno de um mercado que, entre incrédulo e cínico, já prepara o enterro da credibilidade fiscal.
O tal do arcabouço, coitado, nasceu frágil, doente mesmo. É um bebê de cristal num país que carrega elefantes nas costas. As despesas obrigatórias – pensões, benefícios sociais, precatórios e promessas de campanha – crescem sozinhas, como ervas daninhas, e ameaçam explodir o limite orçamentário a partir de 2027. Os ajustes estruturais? Esquecidos, abandonados, chutados como cachorro sarnento de rua ou sapo cururu em alpendre de família urbana hospedada em casa de fazenda de amigos. Se nada mudar, o colapso fiscal após a eleição não é só risco: é destino. E o Brasil, como sempre, chegará atrasado ao próprio velório.
Em português sintético: o governo Lula faz malabarismos para mostrar ao mundo que é fiscalmente sério, enquanto pisa em ovos fiscais com chuteiras de travas altas. O Presidente tenta equilibrar as contas aumentando a arrecadação, como todo político que confunde tributar com governar. E o Congresso Nacional, que deveria frear os arroubos, age como se fosse um adolescente em surto: barrando medidas que não gosta, mas sem oferecer alternativa que preste. O conflito entre Lula e o Congresso, por essa razão, não é ideológico – é gastrointestinal. É arroto de vaidades em plena sessão solene.
Os parlamentares, sempre prontos a vestir o paletó da virtude, afirmam que suas objeções visam proteger a classe média – essa entidade mítica que vive sufocada, mas nunca morre. Alegam que o governo penaliza o setor produtivo, e talvez estejam certos. Mas não sejamos inocentes: o cálculo é eleitoral. Deputados e senadores não querem voltar ao reduto eleitoral com o carimbo de “aumentadores de imposto”. E assim, a dignidade se transforma em conveniência e a coerência em miragem. É a política como ela é: cínica, dissimulada, fotogênica.
Agora, sejamos francos como só os bêbados genuínos sabem ser. O governo Lula é, sim, perdulário, e sua primeira resposta à crise é sempre a mesma: aumentar imposto. Mas também é verdade que o Congresso, ao enfrentar o Executivo, não se comporta como um freio institucional. Com uma mão, repele impostos; com a outra, aprova aumento do número de deputados – um escândalo que só não encheu as manchetes porque o povo já se cansou de escândalos. É como se o Brasil, de tão habituado à contradição, tivesse feito dela sua religião.
Na minha terra, isso tem nome: hipocrisia. Mas ninguém se escandaliza. No Brasil, o ridículo deixou de ser vergonha e virou método.