Neoliberalismo ou neoliberais?

por Sérgio Trindade foi publicado em 08.nov.24

Ando lendo e relendo livros e assistindo documentários e entrevistas que abordam a história política brasileira ali do início da Nova República, das Diretas à adoção do Plano Real.

Um dos livros que fui buscar na estante é Lanterna na popa, de Roberto de Oliveira Campos, criados do BNDE (atual BNDES), embaixador do Brasil nos Estados Unidos e na Inglaterra, ministro do Planejamento no governo Castello Branco, senador por Mato Grosso e deputado federal pelo Rio de Janeiro – e avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Também assisti a todos os programas Roda Viva, da TV Cultura, que tiveram Bob Fields, como jocosamente era chamado pelos seus adversários, como entrevistado.

Num deles, Campos, conhecido pelas ideias liberais que professava, dizia não conhecer o neoliberalismo e, sim, neoliberais.

Segundo Campos, o neoliberalismo é apenas um produto do liberalismo econômico neoclássico. Uma redefinição do liberalismo clássico, influenciado pelas teorias econômicas neoclássicas. Logo, não há uma escola neoliberal, mas uma escola liberal. Sendo assim, concluiu, o que existe por aí são apenas pessoas que aderiram ao pensamento liberal e não um pensamento neoliberal propriamente dito.

A origem do neoliberalismo deve ser remetida à Escola Austríaca, mais precisamente aos economistas Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek (este discípulo daquele), que formularam o pensamento econômico a partir da Lei de Say e da teoria marginalista, contestadas pelo britânico John Keynes, contemporâneo e adversário intelectual de ambos e propositor do modelo econômico intervencionista que deitou raízes no mundo ocidental e quase levou à Inglaterra à bancarrota, não fosse o aparecimento de Margaret Thatcher, que resgatou o antigo império das profundezas do déficit fiscal.

O pensamento de Lorde Acton, de Adam Smith e de Jean B. Say foram fundamentais na construção e no desenvolvimento do pensamento de Hayek, pois enfatizava a importância central da moralidade no desenvolvimento de uma civilização avançada. Para Hayek, uma economia próspera e o desenvolvimento da lei como um processo evolucionário requerem uma sólida ordem moral. Sem isso não haverá uma sociedade saudável, próspera e livre.

A economia mundial experimenta de tempos em tempos décadas de crescimento contínuo e estruturado quando recorre aos manuais liberais. Por vezes, reformas econômicas duras e impopulares antecedem os longos voos econômicos, para pôr ordem nas contas públicas. O lastro do crescimento sustentado pelos princípios liberais esboçados por Smith, Ricardo, Say, os neoclássicos, Hayek, Mises, Friedman, etc.

O modelo, é verdade, tem suas limitações, mas garantiu crescimento econômico, superou crises profundas herdadas de modelos ineficazes e legou, à periferia do capitalismo, quando a ela recorreu, um lugar de destaque no cenário mundial, com China, Índia, Rússia e Brasil (BRIC) apitando alto sobre os destinos do mundo econômico.

Quando a crise econômica engolfou os Estados Unidos e a Europa, na virada do século/milênio, não faltaram os que euforicamente apontaram a dura realidade e como a alegria é fugaz. Como por encanto, esquecemos que o subdesenvolvimento não é uma doença crônica, nem a periferia do capitalismo é o saco de pancadas do mundo desenvolvido.

As teorias terceiro-mundistas serviram durante anos para difundir tristeza generalizada contra o desenvolvimento e o risco que seria viver num mundo globalizado. Os seus formuladores e simpatizantes vibram quando há sinais de crise no ar. É o momento em que vêm à cena os profetas do caos e do atraso, abundam os seminários e os fóruns alternativos que proclamam o fim do sistema e a emergência de um outro, mais justo e mais humano, no qual não haverá pobreza, pois a justiça social irá, de forma voluntariosa e pela vontade política, desabrochar e enraizar-se fortemente. Os mesmos profetas do caos não piam quando a economia mundial vai bem, apenas usufruem das benesses do capitalismo explorador e injusto e torcem para que o trem saia do trilho, pois só assim poderão tornar audível a cantilena tosca e atrasada e a defesa das utopias regressistas que adoram difundir.

Lula, Dilma, Mantega, Mercadante, Mirian Belchior, Haddad, faróis dos governos petistas, e Serra, Paulo Renato, Fernando Henrique Cardoso e outros tucanos de alta e baixa plumagem não eram, não são e nunca serão liberais econômicos, ainda que carregassem elementos do liberalismo político.

Os tucanos, menos intervencionistas do que os petistas, alinharam-se ao Consenso de Washington. Outros partidos (e líderes políticos) arrotam liberalismo, mas são formados por gente cevada no velho e surrado patrimonialismo.

Como a turma do PT-governo sabe que a história e a política são nutridas por versões, aderem a elementos do modelo liberal apenas por conveniência tática. Faz com o sistema que dizem combater uma aliança conjuntural, oportunista, momentânea.

Liberais na aparência e intervencionistas na essência.

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