De CEFET-RN a IFRN: a trajetória de Janus

por Sérgio Trindade foi publicado em 11.abr.24

O professor Getúlio Marques ciceroneava o Ministro da Educação, Fernando Haddad, pelas dependências da unidade do então Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte – CEFET-RN, em Natal, localizado no cruzamento da avenida Hermes da Fonseca com a avenida Bernardo Vieira (recentemente rebatizada como Nevaldo Rocha), quando subitamente o Ministro, encantado com o que via e ouvia, de servidores e alunos, fez-lhe a seguinte indagação: “Getúlio, quanto custa para construir e manter uma escola desse tipo?”. Habituado aos números e às planilhas, Getúlio fez conta rápida de cabeça e disse-lhe o valor, recebendo a seguinte resposta: “E o que estamos esperando para construí-las?”.

Já ouvi essa história contada por algumas pessoas. Às vezes mudam alguns personagens presentes à cena, às vezes um ou outro detalhe da situação, mas a essência permanece. Talvez nem tenha ocorrido, mas hoje faz parte da mitologia acerca da expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica iniciada no primeiro mandato do Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva.

Veterano de quase quatro décadas na instituição, tendo sentado na cadeira de Diretor Geral (atual cargo de Reitor) por mais de dez anos, o professor Francisco Mariz, em depoimento oral prestado a mim e ao professor Givanaldo Rocha, atualmente Diretor Acadêmico do campus Parnamirim, contesta a versão literal acima exposta e afirma, com todas as letras, ter sido Fátima Bezerra, quando deputada federal (depois Fátima esteve no Senado e atualmente é governadora do Rio Grande do Norte), a grande responsável pela expansão do então CEFET-RN: “O governo Lula não teve inicialmente o propósito da expansão. Foi a deputada federal Fátima Bezerra quem adotou a ideia da expansão, quando, já no governo Lula, lançou a semente da expansão da educação profissional e buscou, via emendas parlamentares, os recursos para a ampliação. Um pouco antes, inclusive, chegou a procurar a Direção Geral dizendo de seus propósitos e se apropriando de alguns estudos que nós já tínhamos feito sobre os arranjos produtivos locais”.

Pouco mais de uma década antes do início do processo de expansão da era Lula, o Brasil iniciava uma inflexão econômica, social e política muito maior do que a redemocratização pós-regime militar, refundando-se, em 1994, e ensejando processo de construção contínuo e abandonando sorrateira e vagarosamente as posturas de ruptura que caracterizaram as políticas de Estado e de governo. Hoje, o processo está mais amadurecido, ainda que sejam bem perceptíveis no horizonte algumas ameaças à sua continuidade.

O período entre meados da década de 1990 e a primeira década do século XXI pode ser visto como um grande ciclo, um processo não determinado e nem determinista, nem espelho e nem reflexo do outro, mas que em suas contradições e especificidades históricas representou conjuntamente a construção e o desenvolvimento de um novo Brasil. Uma construção dialética e processual que passa necessariamente pela instauração da estabilidade monetária e política, pela consolidação da economia nacional e pela reestruturação do mercado interno em todas as regiões do país. Um Brasil não restrito às ações de um ou outro partido político, mas fundamentalmente produto da sociedade brasileira em todas as suas aproximações e distanciamentos, econômicos, políticos e culturais, entre outras categorias.

Confrontada pela nova ordem mundial globalizada, pela expansão das tecnologias da comunicação, pela sociedade da informação e pela necessidade de desenvolvimento educacional, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), como qualquer instituição educacional, enfrenta um desafio descomunal, pois percorre um caminho político, econômico, social e epistemologicamente pantanoso, frequentemente confrontado por novas estratégias de resistência e lutas exigidas pelo desafio da era da informação, tais como o desenvolvimento de novas linguagens de crítica e interpretação e por uma práxis reformista e, por vezes, revolucionária que se recusa a abandonar seu compromisso com os imperativos da emancipação e da justiça social. Enfrentar este desafio exige que a instituição não esqueça o passado, mas mire com convicção o futuro.

Discutir a globalização e seu impacto sobre a educação e, mais precisamente, sobre a cultura escolar de uma instituição como o IFRN, exige que se abandone as ideias mal formuladas e mal-acabadas de que a globalização é um fenômeno irreversível e inexorável, única saída em direção ao nirvana do capitalismo e que, diante do furacão globalizante, nada há a fazer senão aderir ao modelo vencedor. As encruzilhadas dessas ideias convergem para argumentos segundo os quais é premente uma educação e uma política educacional/curricular cada vez mais padronizadas, supostamente marcadas e impostas por uma “cultura educacional mundial comum”, como defendem algumas vacas sagradas do mundo acadêmico, conforme afiança Roger Dale, em Globalização e educação: demonstrando a existência de uma “cultura educacional mundial comum” ou localizando uma “agenda globalmente estruturada para a educação”.

Contestar as ideias da unicidade e da inexorabilidade do processo de globalização exige crítica à literatura que consolidou e enraizou o termo como definição do processo. Há na verdade globalizações hegemônicas e contra hegemônicas, como diz Boaventura de Souza Santos, em entrevista concedida à imprensa (www.ces.fe.uc.pt/BSS/documentos/JornalOGLOBNov2004.pdf): “A globalização contra-hegemônica (…) é feita de uma enorme diversidade de ações de resistência contra a injustiça social em suas múltiplas dimensões. Contra a banalização e a instrumentalização da indignação moral procura manter viva a idéia de que o capitalismo global (…) é injusto, é hoje mais injusto do que há vinte anos e que, se nada fizermos, será ainda mais insuportavelmente injusto daqui a vinte anos. (…) O que será a globalização contra-hegemônica depende do que será a globalização hegemônica e vice-versa”, afinal os desenvolvimentos interdependentes das globalizações antagônicas evidenciam um campo de luta que rechaça a ideia de fatalidade histórica e a inexorabilidade da globalização como fenômeno único contra o qual não há nada a fazer. As globalizações hegemônicas e contra hegemônicas comportam quatro formas de globalização: o localismo globalizado, o globalismo localizado, o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade.

O localismo globalizado é o “processo pelo qual determinado fenômeno local é globalizado com sucesso”, caso, por exemplo, da mundialização do dólar norte-americano. O globalismo localizado é mostrado pelo “impacto específico de práticas e imperativos transnacionais nas condições locais, as quais são, por essa via, desestruturadas e reestruturadas de modo a responder a esses imperativos transnacionais”, tais como o “uso turístico de tesouros históricos, lugares ou cerimônias religiosas, artesanato e vida selvagem (…) conversão da agricultura de subsistência em agricultura para exportação”. Estas formas de globalizações assim se manifestam na divisão internacional da produção: “os países centrais especializam-se em localismos globalizados, enquanto aos países periféricos cabe tão-somente a escolha dos globalismos localizados”, diz Boaventura Santos. Já o cosmopolitismo e o patrimônio comum da humanidade são formas de globalizações contra hegemônicas. O cosmopolitismo constitui-se numa antítese das formas predominantes de hegemonia como oportunidades de organizações que exploraram as contradições do sistema mundial imposto, interagindo na defesa de seus interesses comuns. O patrimônio comum da humanidade, por seu turno, inclui temas de sentido global como os ligados à defesa do meio ambiente (www.ces.fe.uc.pt/BSS/documentos/JornalOGLOBNov2004.pdf).

A educação é um dos principais veículos de socialização e de promoção do desenvolvimento individual. Inserindo-se num contexto histórico, social e cultural mais amplo, os sistemas educativos definem os valores que orientam a sociedade e que esta quer transmitir. É neste sentido que se pode falar, globalmente, de uma cultura, que se cria e preserva através da comunicação e cooperação entre indivíduos em sociedade e, especificamente, numa cultura escolar, isto é, num conjunto de aspectos, por vezes transversais, que caracterizam a escola como instituição.

A “construção” do CEFET-RN e, posteriormente, do IFRN dá-se no sentido ligeiramente contrário ao consenso estabelecido pelo discurso globalizador hegemônico, ainda que o tangencie proximamente, corroborando as teses da existência das várias possibilidades de “globalizações” delineadas por Santos (2002), verificando as convergências e as divergências das relações entre a globalização e a educação e abordando a refutação dessas influências nas políticas educacionais brasileiras entre 1994 e 2011.

Escrevendo para dar conta do que ocorreu na primeira metade da década de 1990, Guimarães e Baracho constroem um texto que, em linhas gerais, dá conta do contexto que vai daquele período até o início da segunda década do século XXI. Para elas, tendo em vista a necessidade de responder aos efeitos trazidos “pelas transformações científicas, tecnológicas, culturais e sociais, bem como para nortear as atividades didático-pedagógicas”, a então Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) construiu, com a participação da maioria dos servidores, entre os anos 1993-94 um novo projeto pedagógico, que passou a vigorar em 1995. Respaldado pela Lei n° 5.692/71 e pelo parecer do CNE nº 45/72, o projeto pedagógico foi autorizado como experiência pioneira pelo MEC/SEMTEC (Portaria nº 1.236/94), que propunha que o “currículo deveria ser acompanhado e avaliado para verificação da sua adequabilidade”, segundo expõe Érika Pegado, em seu livro A trajetória do CEFET-RN desde a sua criação no início do século XX ao alvorecer do século XXI. A proposta garantiu a eficiente atuação da instituição por mais de dez anos, como afiança, em depoimento prestado, em 2009, o professor Otávio Augusto de Araújo Tavares: “a repercussão do projeto de 95 na Rede foi muito grande, tendo em vista que a maioria das instituições continuava trabalhando aquelas ofertam tradicionalmente consolidadas, e é muito mais fácil você trabalhar somente um determinado tipo de curso, um determinado tipo de oferta, do que você ter um diálogo como a gente teve, que não foi fácil aqui. (…) [E] as outras instituições começaram a querer ter um entendimento de como é que a gente conseguiu romper as caixinhas [de conhecimento], para um visão mais ampla das coisas, e aí nós começamos a viajar por esse Brasil, principalmente para aquelas instituições que tinham uma certa sintonia com ideias mais progressistas dentro da questão da educação, que não queriam só formar o trabalhador no ‘saber fazer’, mas queriam formar o futuro profissional, também conhecendo pressupostos, e aplicando, e contribuindo para transformar a sociedade”.

Todo obstáculo é, por si só, algo desafiador. Os que o IFRN tem enfrentado, nas duas últimas décadas, não fogem à regra. De meados dos anos 1990 até os dias atuais, foram duas mudanças de institucionalidade e a construção de dois projetos políticos pedagógicos (nascidos para responder aos desafios das novas institucionalidades). O maior de todos os desafios, porém, tem sido o de enfrentar as transformações pelas quais passa o mercado de trabalho, fenômeno que tem exigido um esforço institucional descomunal para dar conta das inúmeras variáveis que balizam a formação profissional. Por isso, como dito acima, o projeto político pedagógico e os projetos pedagógicos dos cursos foram e são constantemente reformulados e redimensionados para garantir uma atualização que dê conta das necessidades do processo educativo e para que estejam em consonância com as variadas e velozes mudanças pelas quais passam o mundo contemporâneo. “O projeto político pedagógico que está em processo de finalização nasceu para dar conta da nova institucionalidade (porque no final da década passada deixamos de ser CEFET e passamos a ser IFRN), que trazia consigo a expansão e a interiorização, a possibilidade de novas ofertas educacionais, a exigência de formar jovens que estivessem antenados com as mudanças pelas quais passa o mundo. Mas mesmo com todos os avanços que conseguimos, acredito que poderíamos ter evoluído mais, principalmente no tocante às ofertas educacionais”, diz Anna Catharina da Costa Dantas, em depoimento dado no ano de 2012.

Pode ser dividida em dois momentos a expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica. O primeiro nasceu, como projeto, ainda durante o governo Sarney e consistia na abertura de 200 escolas técnicas e agrotécnicas em todo o país. O Rio Grande do Norte seria contemplado com três escolas: em Mossoró, Currais Novos e Caicó. Do projeto inicial somente três dezenas vingaram no Brasil e, destas, uma veio para o Rio Grande do Norte, a de Mossoró, já no governo de Itamar Franco, finalizada e inaugurada no final de 1994 e em pleno funcionamento no início do ano letivo de 1995. Mais de uma década depois, o governo Lula deu início à história da expansão propriamente dita, com o Rio Grande do Norte sendo contemplado inicialmente com três novas unidades, a da Zona Norte de Natal, a de Ipanguaçu e a de Currais Novos, e posteriormente recebendo mais seis: João Câmara, Macau, Apodi, Pau dos Ferros, Caicó e Santa Cruz, e, correndo por fora, numa nova fase, as de Natal-Cidade Alta, Nova Cruz, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante, e, logo a seguir mais três: Canguaretama, Ceará-Mirim e São Paulo do Potengi e duas funcionando como campi avançados, Lajes e Parelhas. Mas para fazer a expansão foi preciso alterar a lei que admitia que o governo federal abrisse escolas técnicas, mas não poderia mantê-las. Feita a alteração, aí sim, o papel do professor Getúlio [Marques] foi essencial, no sentido de fazer as articulações para abertura das unidades do CEFET, afirma o professor Mariz, em depoimento dado em 2012.

A expansão da Rede Federal de Educação Tecnológica, da qual o IFRN faz parte, é uma resposta do Estado e da sociedade brasileira ao processo de globalização. A forma como o IFRN expande-se é uma expressão de aceitação e ao mesmo tempo de resistência ao rolo-compressor da globalização, visto o cuidado que a instituição tem de preservar e incentivar as potencialidades e os arranjos produtivos locais, de garantir uma formação que rompa com o instrucionismo tacanho e atenda aos apelos de uma formação integral, de valorizar a produção cultural regional, etc. Para a professora Graça Baracho, em depoimento de 2009, há algo a mais, pois o IFRN, mais precisamente o campus Central, nos seus mais de cem anos de vida, deve desempenhar um papel crucial para consolidar um conceito de educação profissional: “Os profissionais que chegam nas unidades que estão sendo abertas, ou que ainda vão chegar, são profissionais que ainda necessitam de adquirir a cultura de educação profissional, de como trabalhar numa instituição de educação profissional. E para isso a política de formação inicial e continuada é básica e é necessária”.

A função social de uma instituição de educação pública não se resume ao trabalho didático e acadêmico de sala de aula ou mesmo a uma preparação dos alunos para o atendimento das expectativas do mercado. Mesmo uma escola que tem como carro chefe a educação tecnológica e profissional não pode ser reduzida, em sua abrangência e importância, a uma mera “produtora” de mão-de-obra para o mercado de trabalho. O papel do IFRN é muito mais amplo e tem implicações bem mais complexas, que exigem uma abordagem que dê conta da complexidade e da diversidade de agentes que o constituem. Dado o processo de expansão e interiorização da instituição, as especificidades locais devem ser consideradas, face à cultura global de caráter homogeneizante, pois a instituição é uma organização idiossincrática, com capacidade de reinterpretação e adaptação dos elementos que compõem a cultura macro. Para tanto, urge enfatizar a importância do papel ativo que a escola assume na geração de uma cultura própria e diferenciada.

A educação é um processo contínuo que acompanha, assiste e marca o desenvolvimento do indivíduo e envolve a preservação e a transmissão da herança cultural. Por aí, deduz-se a importância que o sistema educativo, em geral, e a escola, em particular, assumem na socialização e perpetuação da cultura. De fato, como afirma Parsons (IN: FORQUIN, 1995), a educação escolar desempenha um papel de socialização, contribuindo para a interiorização pelo indivíduo dos valores da sociedade. É neste sentido que a escola constitui uma instituição de primeira linha na constituição de valores que indicam os rumos pelos quais a sociedade trilhará o seu futuro, de acordo com Ângelo Ricardo Souza, em A escola por dentro e por fora: a cultura da escola e a descentralização financeira.

Cada vez mais influenciada, numa conjuntura participativa, por fatores sociais, econômicos e políticos, cresce o papel da educação em relação ao desenvolvimento como compromisso social, dada a sua possibilidade de promover mudanças desejáveis e estáveis nos indivíduos, favorecendo o desenvolvimento integral do homem e da sociedade, o IFRN traz consigo um conjunto de elementos (objetivos definidos, currículo, histórias, discurso, heróis escolares, ordem, normais e regras, cerimônias, etc) que refletem a sociedade e o contexto social e cultural em que se insere, todos provenientes de um nível de natureza macro e com grande influência na cultura escolar, contribuindo para a sua definição. Não havendo educação que não esteja imersa na cultura e, particularmente, no momento histórico em que está, não se podem conceber experiências pedagógicas, promotoras dessas modificações, de modo “desculturalizado”. A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural e são as próprias reformas educativas que refletem as ideologias impressas no contexto social e político. Está-se, portanto, a falar de uma dimensão cultural e ideológica da educação como base e transmissora estrutural da reprodução social, o que determina que ao sistema educativo esteja associada uma determinada cultura.

Uma abordagem política e sociológica do IFRN não pode ignorar a sua dimensão cultural, quer numa perspectiva geral, no quadro da relação que ele estabelece com a sociedade em geral, quer numa dimensão mais específica, em função das próprias formas culturais que ele produz e transmite. Todavia, não se pode considerar a cultura escolar como uma espécie de subcultura da sociedade em geral. A este propósito, João Barroso, em Políticas educativas e organização escolar, distingue diversas perspectivas quanto à cultura escolar. Numa perspectiva funcionalista, a instituição educativa é um simples transmissor de uma cultura definida e produzida exteriormente e que se traduz nos princípios, finalidades e normas que o poder político determina como constituindo o substrato do processo educativo e da aculturação das crianças e dos jovens. Numa perspectiva estruturalista, a cultura escolar é produzida pela forma escolar de educação, principalmente através da modelização das suas formas e estruturas, seja no plano de estudos, das disciplinas, do modo de organização pedagógica, dos meios auxiliares de ensino, etc. Por fim, a perspectiva interacionista, em que a cultura escolar é a cultura organizacional da escola, considerando-se, portanto, cada escola em particular, podendo-se falar, assim, na existência de uma cultura própria, no âmbito do IFRN e do seu sistema educativo, que reflete todo um conjunto de práticas, valores e crenças, partilhados por todos aqueles que interagem no seu âmbito. Trata-se, porém, de uma cultura que pode não ser assumida por todos, já que tende a uma homogeneização, contemplando e referindo-se ao todo e não às realidades locais específicas. Os mitos sobre os quais se articula o IFRN referem-se a padrões culturais determinados, como a eficiência e a eficácia absoluta do ensino, a igualdade de oportunidades, a uniformidade das regras, a padronização das posturas e do comportamento, o valor da autoridade, a exigência acadêmica junto aos alunos e outros sobejamente comentados e divulgados nos corredores da instituição e em várias localidades do estado.

Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos, em Ensino Médio Integrado: concepção e contradições, dizem que o ensino fundamental e médio tem uma função precípua na construção de uma nação, sendo condição para uma relação soberana com as demais nações. É “direito subjetivo de todos e o espaço social de organização, produção e apropriação dos conhecimentos mais avançados produzidos pela humanidade” e espaço, como defende Antônio Nóvoa, para dar a base de conhecimentos, valores e ‘estimular as crianças a aprender a estudar e pensar e também a aprender a comunicar e viver em conjunto’.”

Educar tem sido a finalidade do IFRN, porquanto a instituição assumir o compromisso com a formação integral dos seus alunos. Além de garantir a instrução dos conhecimentos acadêmicos, procura incutir nos alunos noções como pontualidade, ordem, criticidade, disciplina, valores tão importantes, no mundo globalizado, quanto os conhecimentos que tornam um indivíduo tecnicamente competente. Esta circunstância torna-se ainda mais importante se se observar com atenção o fato de que os valores e o patrimônio cultural da sociedade que não são consensuais, o que relativiza o determinismo social sobre o individual, mostram como existem relações entre aquilo que a escola valoriza e ensina e a educação dos grupos sociais com maior poder cultural e social – a questão do arbítrio cultural da escola, afiança Telmo Caria em Perspectiva sociológica sobre o conceito de educação e a diversidade das pedagogias. Em outras palavras, é a própria socialização que poderá desviar-se em direção a uma “homogeneização condicionada” e tender para uma reprodução social específica.

Ao contrário de posições funcionalistas, que consideram a escola como apenas um veículo transmissor da cultura exposta abertamente pela sociedade em que se insere, é necessária uma perspectiva que contemple cada instituição escolar como um grupo social e detentora de uma cultura singular, que se consolidou ao longo de sua história de forma dinâmica e construída e desenvolvida durante o percurso da interação social. Logo não se pode esquecer que, face a uma cultura escolar global que preconiza a padronização e a homogeneização, não se deve desconsiderar a realidade local e os particularismos, principalmente num país de dimensões continentais e multiétnico como o Brasil. É nesta perspectiva que todo o quadro normativo que regulamenta a educação só é efetivamente implementado se se adaptar aos diferentes contextos e conjunturas. É por isso que a modernização do sistema educativo deve passar pela sua descentralização e por um investimento das escolas como lugares de formação, com plena flexibilidade e plasticidade, características que o Janus potiguar, com um olho no passado e outro no futuro, tem às duras penas concretizado.

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