Educação para o esquecimento
Há um certo momento em que a metáfora do fundo do poço deixa de ser metáfora. A educação brasileira, conduzida por arrivistas e oportunistas de ocasião, parece ter transformado essa imagem em endereço fixo. O país tem o hábito melancólico de nomear “reformas educacionais” como quem troca de fantasia em baile de máscaras: cada governo veste a sua, promete milagres, mas ao final resta o mesmo cenário de desencanto, desastre e poeira.
Balzac, em Tio Goriot, deixou registrada uma observação que se presta à ironia de nosso caso: “Um dos mais detestáveis hábitos dos espíritos tacanhos é suporem que as suas mesquinharias têm guarida nos outros. (…) De acordo com a lógica das pessoas de cabeça oca, indiscretas porque só têm ninharias para contar umas às outras, aqueles que não falam dos seus assuntos é porque os têm maus”. A frase parece escrita para nossos dirigentes, que, de tão ocupados em seus cálculos pequenos e politiqueiros, confundem o silêncio dos estudantes com aprendizado, e as estatísticas pífias com conquistas.
As más estatísticas, no entanto, gritam. O PISA de 2022, exame internacional que mede as competências de jovens de 15 anos, foi uma espécie de atestado de óbito da retórica oficial. Em Matemática, os brasileiros obtiveram 379 pontos, contra 472 da média da OCDE. Em Leitura, 410 pontos, diante de 476. Em Ciências, 403, bem abaixo dos 485 da média internacional. Mais da metade de nossos adolescentes não conseguiu atingir sequer o nível mínimo de proficiência em Matemática. Não se trata de detalhe técnico; significa que milhões de jovens não são capazes de realizar operações simples que lhes permitiriam compreender o extrato bancário, interpretar um gráfico ou avaliar uma conta de luz.
Esses números não são abstrações. Eles se materializam em professores exaustos, em escolas caindo aos pedaços e que funcionam como depósitos de crianças, em salas superlotadas onde a palavra futuro é uma gargalhada contida. O Brasil não falha por falta de diagnósticos; falha porque, no fundo, não parece acreditar que o conhecimento valha mais que o improviso. E enquanto isso, governantes, secretários e consultores se refestelam em relatórios e powerpoints, convencidos de que a mudança se faz em planilhas, e não em carteiras escolares.
Se Balzac tinha razão em desconfiar das cabeças ocas, nós o confirmamos com devoção. Criamos um sistema em que o improviso se traveste de política pública e o paliativo se anuncia como grande solução. E, como bons espíritos tacanhos, ainda acreditamos que ninguém percebe nossas mesquinharias. Mas os exames internacionais não perdoam, são como espelhos impiedosos: devolvem-nos o retrato de nossa indigência intelectual.
Estamos educando nossos jovens para a melancolia, para a desistência precoce, para o conformismo, para a idiotice. Que país pode sobreviver a uma juventude treinada no fracasso? As palavras são duras, mas as estatísticas são ainda mais e o drama se agrava quando lembramos que a desigualdade é a linha de fundo da uma sinfonia desafinada. Os estudantes das escolas privadas, ainda que longe da excelência, conseguem pontuações melhores. Já os da rede pública arrastam a média para baixo e revelam o abismo: não se trata apenas de um sistema educacional ruim, mas de um sistema que perpetua a estupidez e as diferenças sociais. A criança rica pode almejar a universidade, ainda que tropeçando; a pobre é lançada, antes mesmo da adolescência, à condição de analfabeta funcional.

Imagem feita com auxílio de IA
É irônico – e cruel – que o Brasil, tão pródigo em discursos sobre o futuro, insista em tratá-lo como se fosse descartável. Entre um palanque e outro, entre uma reforma e sua revogação, vamos abandonando gerações que poderiam ter sido engenheiros, médicos, artistas, cientistas, mas que são condenadas à mediocridade, quando não à invisibilidade.
Balzac nos dá a chave: a cabeça oca multiplica ninharias e supõe que todos se contentarão com elas. O problema é que uma nação não pode viver de ninharias. Ela precisa de mestres preparados, de escolas dignas, de um Estado que a respeite. Enquanto isso não se realiza, nossas estatísticas internacionais serão apenas o reflexo do poço em que insistimos em habitar. E o fundo do poço, ao contrário do que se pensa, não é o fim. É apenas o endereço no qual resolvemos fixar residência.