Escola: da meia ao chulé

por Sérgio Trindade foi publicado em 07.fev.25

O programa Pé-de-Meia foi arquitetado pelo governo federal e posto para funcionar ano passado.

A intenção é incentivar a permanência dos jovens na escola, por meio da criação de um bônus financeiro (uma nova bolsa, para variar) dado aos jovens para que eles não a abandonem.

É o que está dito e se verdadeira a intenção, pode até parecer uma medida positiva, afinal, quem não gostaria de ver mais jovens estudando e recebendo apoio para sua formação?

Entretanto é mais uma solução simplista para um problema complexo. Mais, por trás da boa intenção há um bode escondido no quarto.

O Pé-de-Meia é mais uma bolsa com viés eleitoreiro e que passa ao largo dos problemas estruturais da educação brasileira, pois por mais que a ideia tenha apelo social, ela não toca no cerne do problema da educação no Brasil.

O verdadeiro desafio do país não está em dar dinheiro aos estudantes para que continuem frequentando as aulas, mas em transformar o próprio sistema educacional (estrutura, metodologias e técnicas de ensino, currículos, carreira docente, etc). Bolsas como o Pé-de-Meia nem paliativos são mais.

O foco de qualquer reforma para valer na educação precisa mirar na qualidade do ensino, nas condições dos professores e nas escolas.

Em muitas regiões as escolas carecem de recursos básicos, os professores enfrentam jornadas de trabalho excessivas e, muitas vezes, mal remuneradas, sem a infraestrutura adequada para oferecer um ensino de qualidade.

As necessidades do mundo atual exigem currículos flexíveis e enxutos e aulas mais dinâmicas e focadas no raciocínio crítico, na criatividade e na resolução de problemas. Logo, o que está faltando no Brasil não é um programa de bônus monetário (bolsa pé-de-meia) para alunos, mas uma transformação real na forma de educar.

O contribuinte não pode mais ficar na obrigação de pagar impostos para distribuir bônus e bolsas sem critério ou com critério vago e/ou raso.

O Pé-de-Meia nem exige excelência acadêmica dos alunos. Por ora, basta a frequência escolar, ainda que esteja escrito que o aluno para receber deverá: estar matriculado em escola pública, ter frequência mínima de 80%, desempenho escolar adequado, participar obrigatoriamente de avaliações como o Saeb e o ENEM, ser de família cadastrada no CadÚnico, com prioridade para aquelas que recebem o Bolsa Família, em cujos critérios está o de manter os filhos na escola. Ou seja, uma família recebe Bolsa-Família para manter o filho na escola e o filho recebe o Pé-de-Meia para ir à escola.

São as exigências para o aluno receber o Pé-de-Meia, no entanto a fiscalização é inexistente. Se o aluno for dormir em sala de aula e o seu desempenho acadêmico for sofrível, está tudo certo e o dinheiro lhe será entregue ao final do mês. Eu constatei como professor e ouvi relatos de colegas. Além disso, cobrança por rendimento acadêmico é algo praticamente inexistente em escola pública municipal, estadual e federal. Não foram poucas as vezes em que fui abordado por alunos, ano passado, para retirar as faltas que tivera na semana (sempre 2 a cada 4 aulas, quando não 4 em 4), porque ele precisava receber a bolsa. Detalhe: o jovem, maior de idade, vinha por vezes numa moto 125 para a escola.

Milhares de famílias pagam mensalidades em colégios particulares porque entendem que educação é um serviço importante e não querem ver os filhos em situação precária no futuro. No entanto, o Estado brasileiro, por meio do governo federal, entende que a escola pública deve ser gratuita (como se os contribuintes não a sustentassem), deve dar o lanche e, agora, uma bolsa para o aluno receber o serviço que ele, aluno, refuga. Ora, ninguém dá importância aquilo que não é importante e não é tratado como importante. Ou a escola serve ou não serve. Ou ela presta ou não presta.

Ou a Escola é importante e o Estado que a sustenta, com os impostos do cidadão-contribuinte, reconhece-a como importante ou ela naufraga, como está naufragando, enquanto distribui caraminguás para quem a olha com desprezo.

Alguém poderá dizer: e os subsídios para barões da economia nacional?

Respondo: o assunto não é este. Se fosse, minha resposta seria: sou contra.

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