Historiador-safadeza

por Sérgio Trindade foi publicado em 20.out.24

Acho que sou masoquista, pois sofro e apanho, sou maltratado e pareço gostar.

Torço pelo ABC e pelo Vasco da Gama, invictos por não jogarem futebol digno do nome há anos, talvez uma década. A Seleção Brasileira de futebol, então, vi-a jogando bola na Copa das Confederações de 2005, quando venceu a Alemanha e a Argentina, esta última numa goleada convincente.

Para piorar, podia ter sido muita coisa na vida, mas resolvi ser professor. De História. Categoria profissional cultuada, em discursos, como a mais importante para o desenvolvimento da Nação, no entanto uma das mais maltratadas pelos que se sentam em birôs para elaborar projetos pedagógicos mirabolantes, inexequíveis, como também pelos responsáveis pela formulação de políticas públicas para o setor.

Projetos e formulações tão esdrúxulos que seriam melhores se os seus elaboradores tentassem logo interceder junto a quem controla as forças que regem a natureza visando a aumentar o número de horas diárias e espichar a semana em mais dois ou três dias, para que os imprescindíveis mestres que atuam em sala de aula possam dar conta do trabalho burocrático que só aumenta, pois ser professor é preencher diários, formulários, fichas e assemelhados. Sala de aula é mero detalhe.

Sou também maniqueísta.

Percebo que das pranchetas mágicas dos formuladores educacionais só saem malvadezas.

Os dias de folga e de descanso dos professores são subtraídos para que eles possam se dedicar a alguma reunião de planejamento e a “proveitosas” reuniões com pais ausentes, sem contar burocratas que a tudo resolvem a partir de papeis ou monitores de computadores. Talvez se invente, ainda, algum projeto de imolação coletiva para o corpo docente.

Como as pranchetas são mágicas, dou uma ideia, não sei se é possível pô-la em prática, mas isso é só um detalhe: implantar mecanismo de ajuste de controle da velocidade da Terra – a diminuição da velocidade dos movimentos de rotação (aumentando as horas do dia) e de translação (aumentando os dias do ano).

A implementação da ideia amainaria as constantes reclamações desses “eternos insatisfeitos” que são os professores. Sobrarão algumas horas para que eles possam se dedicar a prazeres e necessidades mundanos, a saber, cuidar da própria vida, descansar, brincar com os filhos, dormir e, quem sabe, até estudar, futilidades que só mentes embotadas pela vida fácil e pelo consumismo vulgar buscam desenfreadamente.

Depois de mais um dia do professor, bate a angústia de saber que a vida profissional dos professores é controlada por prancheteiros que não têm a mínima ideia do que vem a ser uma sala de aula.

 

Este ano, a angústia foi ainda maior depois que assisti a desempenho de uma moça numa universidade digna de uma filme pornô, mostrando os quartos, mirrados como duas bandas de um melhoral infantil, em evento organizado numa universidade federal e financiado por órgão de fomento à pesquisa (parece que não foi a primeira performance federal). Digno de país que distribui recursos para cientistas e divulgadores de ciência que não sabem o que é efetivamente ciência, mas conseguem carnavalizar a prática científica.

A moça tem sido insistentemente chamada de historiadora, prática, diga-se de passagem, comum nas Escolas do país onde bacharéis em Direito e advogados são chamados de juristas, graduados em Filosofia são festejados como filósofos, graduados em Sociologia como sociólogos, etc.

Licenciados em História são professores de História (não vou me ater aos bacharéis). E só. O percurso que os farão historiadores é longo, muito longo – em conhecimento e tempo. Logo, a moça dos quartos federal não é historiadora. Por ora, é apenas uma deslumbrada que resolveu mostrar as ancas no Bataclã (aquele cabaré de Ilhéus no qual barões do cacau iam despejar também dinheiro) acadêmico – e foi inicialmente festejada, como é possível ouvir pelos aplausos e pela ovação (deveria ter havido uma ovaria).

Soube que a universidade abrirá investigação para apurar responsabilidades.

Creio, pela experiência no serviço público, que nada ocorrerá se os organizadores forem vinculados à patota que comanda a instituição. Caso tenha alguém não simpático ao grupo que manda no pedaço, teremos um boi de piranha.

Assisti muito a espetáculos de impunidade no serviço público. Estadual e federal.

Aguardemos o desfecho do caso.

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