O martírio do professor brasileiro

por Sérgio Trindade foi publicado em 17.ago.25

Sou masoquista. Não tenho pudor em admitir. Torço pelo ABC, invicto de vitória nos seus domínios e useiro e vezeiro na arte de levar gols de empate ou de derrota nos minutos finais dos jogos. Torço pelo Vasco da Gama, que há séculos não ganha nada. A Seleção Brasileira me humilhou na Copa de 2014 e piou nos duas Copas seguintes. Minha candidata a Presidente da República foi cavalo paraguaio na eleição de 2014 e teve menos votos que um síndico de prédio em 2018. E, para coroar meu masoquismo, sou professor.

Ser professor, no Brasil, é carregar uma coroa de espinhos com o sorriso dos otários. A pátria me chama de “profissional mais importante”. Os ministros dizem que sou o futuro da Nação. Os pais juram que me respeitam. E todos, absolutamente todos, me tratam como capacho. Sou educador apenas nos discursos de solenidade. No cotidiano, sou serviçal de luxo, uma espécie de mordomo mal pago do sistema educacional.

A sala de aula? Detalhe. O essencial é preencher planilhas, fichas, relatórios. Ser professor é ser escriturário de gabinete. A pedagogia, hoje, é o delírio dos prancheteiros. Tudo precisa ser relatado, carimbado, protocolado. O professor escreve mais para a burocracia do que para os alunos. Ensinar virou estorvo; estudar, entrave. A educação, no Brasil, é uma repartição com quadro de avisos e grampeador.

E, como se não bastasse o suplício do papel, há a violência. Ela entrou na escola sem pedir licença. Antes vinha de fora. Agora nasce dentro da sala. O professor apanha, ouve desaforo, sofre intimidação. Os alunos o filmam, ridicularizam, denunciam. O docente é réu perpétuo de um tribunal invisível. Vive acuado, como um animal enjaulado. O medo é o companheiro mais fiel do magistério.

Depois, vem a humilhação salarial. Falam em piso nacional, mas é ficção. Professores vivem de esmolas oficiais. Correm de escola em escola, como mendigos de giz. São guerreiros de ônibus lotado. São cadáveres ambulantes, tentando lecionar à noite, depois das jornadas matutina e vespertina. A juventude, lúcida, foge da profissão. Quase ninguém, hoje, escolhe ser professor – cai-se nela como quem tropeça num buraco.

Imagem feita com auxílio de IA

E o pior: tudo isso não emociona ninguém. Falar em educação é monótono, é chato, é enfadonho. Em campanha, só rende aplauso vazio. Cristovam Buarque que o diga: teve menos de 3% dos votos numa eleição por aí. Nem a própria categoria acreditou nele. O discurso da educação não seduz nem os professores. É como pornografia sem nudez. É como carnaval sem samba.

O tal patrono da educação brasileira, Paulo Freire, sonhou uma espécie de revolução doce. Pasmem: citando Che, Fidel e Mao. Cristovam falou em cruzada pela escola. Mas a verdade é que estamos atolados em papel, reuniões e slides coloridos. Talvez só reste a sugestão cruel: transformar o analfabetismo em vírus. Se fosse contagioso, se passasse do pobre para o filho do rico, já estaria erradicado. Até lá, o professor seguirá como um condenado elegante: aplaudido nos discursos, apedrejado no recreio.

No fundo, ser professor no Brasil é uma forma refinada de masoquismo. É torcer pelo Vasco, é confiar no ABC, é acreditar na Seleção. É viver de derrotas sucessivas na esperança insana de uma vitória improvável. O professor é um cadáver útil: todos juram amá-lo, mas ninguém aceita pagar por ele. É imprescindível, mas nem tanto. É respeitado, mas nem tanto. É admirado, mas nem tanto.

E é por isso que sigo. Porque o magistério, no Brasil, não é profissão, é suplício, é prostituição. E, no fundo, nada melhor do que um bom cabaré para aliviar o espírito. É a maneira mais elegante e mais cruel de sofrer.

Pena que os cabarés estejam em petição de miséria.

 

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