De novo, Vasco e Corinthians
Há jogadores que vestem a camisa 10 como quem herda um trono e um manto; outros a usam como quem pega um paletó emprestado, com medo de sujá-lo. Philippe Coutinho, nas duas partidas contra o Corinthians, escolheu a segunda opção. Foi tímido. E no futebol, a timidez é um pecado capital, sobretudo quando estampada nas costas vem o número que exige insolência, desfaçatez e, sobretudo, coragem e decisão.
O Vasco da Gama precisava de um homem. Recebeu um espectador qualificado. Coutinho esteve em campo, mas ali esteve como quem pede licença ao jogo, como quem não quer incomodar o destino. Tocou, girou, recuou, protegeu-se e, quando muito afiado, enfiou uma ou outra bola para os atacantes. Muito pouco. Faltou-lhe aquilo que não se ensina em escolinha de futebol nem se compra com passes milionários: a vocação para o instante decisivo. O craque, quando o jogo aperta, cresce. O tímido, ao contrário, encolhe.
E aqui não se trata de técnica, pois Coutinho a tem – e de sobra. O drama é outro, mais profundo. Faltou ao camisa 10 vascaíno a vocação trágica que move os grandes. O craque verdadeiro não pergunta se deve aparecer, ele aparece. Não espera a bola, exige-a. Não teme errar, teme desaparecer. Coutinho, nessas duas partidas, desapareceu com educação. Foi um sumiço polido, quase britânico.
Compare-se, sem piedade, afinal o futebol não tem misericórdia, com Roberto Dinamite, o homem que envergou a 10 do Vasco por quase duas décadas. Dinamite não se escondia nem quando o Vasco estava caindo aos pedaços. Ao contrário, quanto pior o cenário, mais ele assumia o papel de incendiário da esperança. A bola queimava nos pés, e ele pedia de novo. Errava? Errava. Mas errava tentando decidir – e quase sempre decidia. Dinamite jogava como quem sabia que a omissão é imperdoável. Por isso, está no topo do panteão cruzmaltino.
E Edmundo? O Animal jamais foi tímido. Podia ser irresponsável, exagerado, teatral – e era tudo isso –, no entanto nunca foi ausente. Nos dias de desgraça, Edmundo não se escondia atrás da tática. Chamava o jogo para si, para o sucesso ou para o desastre. Preferia perder por excesso do que empatar por covardia. E isso, no futebol, é uma virtude moral.
Romário dispensa explicações. Falava muito e fazia em dobro. Quando o time precisava, ele resolvia. Discursava, gesticulava, fazia marketing emocional – e fazia gol. Tinha a crueldade dos eleitos, sabia que o jogo se decide em poucos segundos, e nesses segundos ele queria ser o protagonista. Nunca foi tímido. Nem quando o corpo já não obedecia, nem quando o Vasco implorava por um milagre.

Imagem feita com auxílio de IA
Coutinho, ao contrário, joga pedindo autorização ao jogo. Quer participar sem se comprometer. Quer existir sem se impor. E isso o coloca, inevitavelmente, longe da galeria dos grandes. Craque não é quem joga bonito quando tudo vai bem. Craque é quem aparece quando o estádio prende a respiração e o time está à beira do colapso.
O Vasco vive um renascimento, é verdade. Há sinais de vida, de reconstrução, de fé. Esse renascimento, contudo, exige líderes trágicos, não figurantes discretos. A camisa 10 não é um adorno, é uma sentença. Ou o jogador a honra com ousadia, ou ela pesa como chumbo.
E, nesses dois jogos, Coutinho sentiu o peso. Não caiu. Mas também não voou. E no futebol, como na vida, quem não voa nos momentos decisivos acaba ficando no chão da história, bem-vestido, educado e irrelevante.