O funeral festivo do futebol potiguar

por Sérgio Trindade foi publicado em 08.set.25

O futebol do Rio Grande do Norte já não é um drama: é uma comédia farsesca encenada no picadeiro do fracasso. O ABC, outrora clube de Série B, caiu com o estrondo de uma cristaleira velha e agora vai bater cartão de ponto na Série D (https://historianosdetalhes.com.br/esporte/abc-luto-em-preto-e-branco/). O América, seu rival, permanece lá como um funcionário público da mediocridade, acostumado ao ponto eletrônico da quarta divisão. É um quadro dantesco: os dois maiores clubes do estado disputam o campeonato nacional de fundo de quintal, como se brigassem por uma quentinha fria e azeda.

Há quem diga que é azar, que o futebol é ingrato, que a bola é redonda. Tolices! O que vemos é um atestado de incompetência passado em cartório, com recibo assinado e firma reconhecida em três vias. O América coleciona participações na Série D como um alcoólatra coleciona ressacas expoenciais. Entrou em 2017, caiu, levantou, caiu de novo. Em 2022, deu ares de glória ao conquistar o título da Série D e subir à Série C, mas logo tratou de ser rebaixado – porque o América tem alergia à estabilidade. Em 2025, já eram oito participações e sete eliminações. É como um estudante repetente que coleciona carimbos na caderneta e ainda pede troféu de consolação – ou recebe a famigerado pé-de-meia.

A cena mais recente foi de novela de quarta categoria. O América enfrentou o Santa Cruz, o Santinha de Pernambuco, empatou em 1 a 1 na Arena das Dunas e viu o acesso escorrer pelo ralo. O Santa Cruz subiu para a Série C; o América ficou para trás, como sempre. A torcida, essa heroína trágica, ainda teve forças para cantar até o fim – sim, porque torcedor do América, convenhamos, é, como o de seu irmão e maior rival, um santo em meio a pecadores.

E o que dizer do ABC? Caiu para a Série D e vai encontrar o América no mesmo abismo. É o clássico potiguar, versão inferno de Dante: um Fla-Flu das catacumbas. Se antes o embate valia briga para subir à série A ou B, agora é briga de foice pela sobrevivência na lama. Não é rivalidade; é suicídio em horário nobre.

Imagem feita com auxílio de IA

Mas como em toda tragédia brasileira, há sempre um responsável aplaudido no picadeiro. Ele tem nome e sobrenome: José Vanildo.

Enquanto os clubes do Rio Grande do Norte se arrastam como zumbis na quarta divisão, o presidente da Federação Norteriograndense de Futebol (FNF) sobe de elevador social na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Ele não é apenas dirigente local; é vice-presidente da CBF, chefe de comitê, homem de confiança no planalto do futebol nacional. Recentemente, foi ungido coordenador do grupo encarregado de reformular, tenhamos cuidado com isso!, a Copa do Nordeste. Ou seja, enquanto o América e o ABC padecem de fome, Vanildo organiza o banquete.

É preciso dizer com todas as letras: o futebol potiguar é uma ruína cercada de discursos otimistas. José Vanildo posa em fotos oficiais, sorri em paletó bem passado e se apresenta como o grande reformador do futebol regional. Enquanto isso, os dois maiores clubes filiados à FNF vegetam na Série D, mendigando acessos que nunca vêm. É a versão esportiva da velha máxima brasileira: “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.

No Rio Grande do Norte, a realidade é cruel: não existe para onde cair. Já estamos no porão do porão, na garagem do inferno. O alento, se é que existe, é justamente esse: não há mais degraus para descer. ABC e América, outrora símbolos de glória estadual, agora são personagens de uma tragicomédia em que a plateia ri para não chorar.

A ironia maior é que o fracasso se tornou rotina, e a rotina, hábito. O torcedor já entra no campeonato nacional sabendo que o destino é a eliminação ou a queda. Quando o apito inicial soa, não há esperança, apenas a curiosidade mórbida de saber como será o vexame desta vez. É a previsibilidade do desastre. E enquanto isso, José Vanildo se pavoneia, trata da Copa do Nordeste, distribui cargos e discursos como se fosse o salvador da pátria. Para ele, o futebol potiguar é apenas um detalhe pitoresco, uma anedota inconveniente. No palco nacional, Vanildo é grande; no quintal de casa, reina sobre ruínas.

Eis a síntese: o futebol do Rio Grande do Norte é um funeral festivo. O caixão está na sala, os defuntos são América e ABC, e a música é tocada por José Vanildo, maestro sorridente da tragédia. Ele é toda orquestra do Titanic. E o torcedor, esse pobre diabo que sustenta o festim, resignado, dança em volta do caixão porque, no fundo, chorar e rir do próprio fracasso viraram a única forma de sobrevivência.

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