Pelé, 80 anos

por Sérgio Trindade foi publicado em 23.out.20

Rubens Lemos Filho, Rubinho, está escrevendo uma série de textos sobre os 80 anos do Rei Pelé, o deus de todos os estádios. Pedi para reproduzir o texto e ele, Amigo de três décadas e meia, autorizou.

Segue o texto abaixo.

***

De verdade

A imprensa esportiva brasileira é a mãe enganadora dos pobres torcedores. É ela quem disfarça um futebol assemelhado às bruxas de histórias assombradas feitas para acalmar meninos rebeldes, de princesa de conto de fada. O futebol brasileiro não é, faz tempo, o melhor do mundo.

O Brasil deve a Pelé a liderança unânime e indiscutível. O sublime, o sobrenatural, o intangível, o inalcançável, extraterreno, o inimitável, foi a razão de uma pátria inteira calçar chuteiras e um jeito mágico de jogar virar instituição para se transformar em pó nos tempos de hoje.

O Brasil de Pelé. O Brasil com Pelé. Pelé disputou quatro Copas do Mundo. Em 1958, 1962, 1966 e 1970. Na primeira delas, tinha 17 anos, era um garoto que colecionava revistas do Mandrake e estava prestes a servir o Exército. Ganhou a primeira, a segunda, perdeu a terceira, conquistou a quarta.

Pelé ganhou três, das quatro Copas do Mundo que jogou. Ninguém está dizendo que antes o Brasil não teve craques. Produziu gênios do nível de um Fausto, a Maravilha Negra, de um magistral Domingos da Guia, de um Danilo Alvim, o Príncipe, de um Zizinho, de um Jair, de um Julinho, de um Leônidas da Silva. De um Ademir Menezes.

Mas a força espetacular de Pelé colocou o Brasil no patamar parecido com o dos Estados Unidos no Basquetebol. O esporte ganhou forma e fórmula, ginga e molejo, seus artifícios tinham parentescos com o samba, a malandragem e a boemia. O passo, o compasso, a cadência. Pelé consolidou o brasileirismo no futebol.

Com Pelé, o Brasil mostrou ao planeta estrelas incomparáveis: Djalma e Nilton Santos, os sagrados laterais, Didi, Garrincha, Gerson, Rivelino, Tostão, Jairzinho, Edu, Coutinho, Ademir da Guia, Pepe, Paulo César Caju, Dirceu Lopes,Pagão, Toninho, Mário Sérgio, Amarildo, Almir.

Sem Pelé, o Brasil foi um menino bonito no fantástico escrete de 1982, com Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo, Zico, Éder, Leandro e Luizinho. Que perdeu pela estoica opção de atacar e também por enfrentar um timaço que nunca reconhecemos. A Itália de Antognioni, Cabrini, Zoff, Conti, Scirea, Paolo Rossi era, sim, uma verdadeira Squadra Azzurra.

Sem Pelé, o desempenho brasileiro nos outros mundiais perdidos foi ridículo. Em 1974, precisamos de um gol espírita de Valdomiro contra o risível Zaíre, depois de dois empates em 0x0 na primeira fase. Uma Copa com o dito supremo futebol planetário marcando apenas seis gols e levando quatro.

Sem Pelé, o Brasil foi Campeão Moral na Argentina em 1978 e só passou da primeira fase porque o Almirante Heleno Nunes, representante da ditadura militar no comando do futebol, escalou Roberto Dinamite contra a Áustria. O Brasil ganhou de 1×0 e passou à fase seguinte. Antes, dois empates medíocres contra Suécia e Espanha.

Sem Pelé, em 1986, o Brasil caiu nas quartas-de-final contra a França, com Elzo e Alemão no meio-campo. Nas oitavas foi eliminado em 1990, com Dunga e Alemão na meia-cancha, e Maradona fazendo fila indiana de zagueiros até deixar Caniggia fazer o gol argentino. Nas quartas, caímos em 2006 e em 2010.

Sem Pelé, o mundo gira em torno de um clubinho fechado. Está todo mundo igual com mais dois emergentes. O Brasil ganhou em 1994 graças a Romário e em 2002 a Rivaldo e Ronaldo. A Argentina em 1978 pelos tentáculos da barbárie e em 1986 pelos pés de Maradona, a Alemanha em 1974 e 1990 e a Itália em 1982 e 2006. A França em 1998 e a Espanha em 2010 foram os intrusos.

Sem Pelé, nasceram outros súditos: Romário, a citada Geração 1982, Reinaldo, Careca, Djalminha, Pita, Geovani, Adílio, Rivaldo, Edmundo, o lacrimoso Bebeto, Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho até o Barcelona.

Então é balela a história de que o melhor futebol do mundo ainda é o do Brasil. Foi. Enquanto Pelé existiu. Com lampejos no tempo do Flamengo de Zico. Agora a categoria é fulana. Hoje, o Corinthians apanha de cinco em casa, o Vasco aposta num trio argentino de segunda, clube grande tem boliviano, uruguaio ou chileno enganador.

Quando fomos reis, a esperança não se resumia à molecagem moicana e antipática de Neymar ou à insistência com ex-jogadores em atividade.

Quando fomos reis, Pelé, o monarca, dispensava Galvões Buenos, ufanistas radicais, vendilhões do patriotismo, estelionatários da fé do povo. Pelé, por mais que não parecesse, era de verdade.

posts relacionados
Logo do blog 'a história em detalhes'
por Sérgio Trindade
logo da agencia web escolar