A demagogia da democracia
Pedro Paulo Funari afirmou num de seus trabalhos que a “democracia de Atenas era um regime em que os relativamente pobres tinham um poder considerável, algo inédito até hoje, muito raro em toda história da humanidade…”, ao contrário do que proclamam os manuais de história geral.
Numa obra seminal (Política), Aristóteles, um dos maiores entre os maiores da Filosofia, faz distinção entre formas e regimes políticos.
Para o estagirita, os três regimes referem-se ao critério que separa quem governa e o número de governantes: a monarquia é poder de um só, a oligarquia é o poder de alguns e a democracia é o poder de todos.
Já as formas de governo estão associadas à finalidade do governo, porquanto governos, segundo Aristóteles, devem atuar para garantir o bem comum. Sendo assim, ele identifica seis formas de governo: a monarquia, o governo de um para todos, a aristocracia, o governo de alguns para todos e o governo constitucional, o governo de todos para todos. Cada forma de governo pode se corromper e gerar três outras formas: a tirania (corrupção da monarquia), a oligarquia (deturpação da aristocracia) e a democracia (degeneração da forma constitucional).
Foi encerrado, ontem (12/09), no IFRN, mais um ciclo eleitoral (curto, para variar).
Talvez eu seja suspeito para falar ou escrever sobre pleitos democráticos, afinal, para muitos dos meus colegas ifernianos, sou canalha, cafajeste, dissimulado, etc, etc e etc… E antidemocrático. Talvez eu seja uma ou todas essas coisas, mas ainda sou livre para manifestar minha visão sobre a campanha propriamente dita. E quando resolvo falar ou escrever ou agir não me escondo. Já denunciei malfeitos na administração do IFRN, sem me esconder no anonimato.
Então, livre como sou, lá vai…
O atual reitor, professor José Arnóbio, correu praticamente sozinho, dado que o seu oponente não tinha a menor chance eleitoral. Cheguei a dizer a Arnóbio, ontem, que seria bom, para ele, Arnóbio, que houvesse um outro candidato politicamente robusto, ainda que eleitoralmente desmilinguido. Robusteceria a vitória da situação. Para a instituição, porém, o melhor, nas condições atuais (e friso bem isso), seria ter um candidato de oposição política e eleitoralmente qualificado.
A vitória de Arnóbio, com 71% dos votos, era esperada e, confesso, ficou até aquém do que eu esperava.
Na unidade central do IFRN, o pleito demonstrou claramente como a democracia – cantada em prosa e verso como a melhor entre todas as opções políticas, apesar das imperfeições, como um dia proferiu o aristocrata Winston Churchill –, com a campanha descambando para, dizia a situação, o tapetão ou sendo espaço, deblaterou a oposição, para uso da máquina pública, é uma ficção e quando mal ajambrada vira milacria.
A democracia, tal qual é praticada no Brasil – e o IFRN, fruto da estrutura e da conjuntura brasileira que o forjou, não está a elas imune – é deturpação, corrupção e degeneração da lei e da ordem (ou da forma constitucional, como ensinou o professor de Alexandre Magno).
Faz-se, no IFRN, o que professores vão em sala de aula dizer que é errado. O erro, apontado em lições com presumidas reflexões teóricas e com aporte, falso, da História, só é erro se por meu oponente for cometido. Leis e normas, princípios abstratos que deveriam refletir o melhor de nós, tornam-se arremedos da couraça hipócrita que todos vestimos.
O resultado?
O show de horrores apresentado no único e infeliz debate entre os dois candidatos, no qual o propósito de um dos contendores não era discutir seriamente a instituição, como gritava nos espaços físicos da instituição, mas apontar erros sem trazer um único vestígio que desse guarida ou ilustrasse a própria fala. No limite, percorreu o pantanoso terreno da mentira para indicar má gestão do ensino na instituição que ele mesmo afirmou ser socialmente referenciada. Pulou da mentira ao paradoxo numa única intervenção – e ainda foi aplaudido.
Ao oponente de quem mentiu faltou uma coisa: mostrar a mentira, égua selada pelo candidato mentiroso para cavalgar sobre a massa de incautos, vou oferecer o benefício da dúvida, que foi ali glorificá-lo, afinal, como está em João 1:14: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai”.
A democracia, deveríamos saber todos nós, não se faz com candidatos proclamando verdades em palanques e púlpitos, mas com eleitores verificando o quão verdadeiras são as falas daqueles que irão lhes representar.
Sugiro a leitura, aos meus 3 ou 4 leitores, de duas conferências do alemão Max Weber, Ciência como Vocação e Política como Vocação. Ensinar-lhes-ão a fugir dos cantos de sereias. Ou das proclamas eleitorais.
A imperfeição da democracia livrou a instituição da construção dos muros da demagogia.
Que o bardo faça a gestão com o equilíbrio do primeiro quadriênio.