Da UTI hospitalar à UTI política
Parte da barafunda política em que nos encontramos tem início em março/abril de 1985, quando Tancredo de Almeida Neves, eleito presidente em 15 de janeiro, foi internado horas antes de receber a faixa presidencial.
Tancredo foi o artífice da aliança política que sepultou o regime autoritário nascido em março/abril de 1964 e que, desde meados da década de 1970, dava sinais claros de esgotamento.
Pois bem, legitimado por extensa aliança política e contando com amplo apoio popular, Tancredo foi abatido por uma diverticulite aguda do dia 14 para o dia 15 de março.
O seu vice, José Sarney, cevado nas mais de duas décadas do regime de 1964, sem legitimidade alguma, sentou na curul presidencial.
Pouco mais de um mês após ser internado, Tancredo faleceu.
Sarney permaneceu presidente até 15 de março de 1990, quando transmitiu o cargo a Fernando Collor de Mello, que passou quase toda a campanha acusando-o, acertadamente, de corrupto, incompetente, etc.
No longo intervalo entre a sua internação e morte, Tancredo Neves transformou a UTI hospitalar em UTI política, praticamente alçando-a em palanque.
O entra-e-sai de políticos e o desmazelo com que foi tratada uma doença séria, terminou por complicá-la, resultando numa infecção que evoluiu e matou o presidente eleito.
Ontem, decorridos mais de trinta e três anos da paixão e morte de Tancredo, o deputado federal e candidato à Presidência da República, Jair Messias Bolsonaro, foi covardemente atacado à faca e entrou gravemente ferido na Santa Casa de Juiz de Fora, Minas Gerais.
De ontem para hoje, a UTI hospitalar começou a ser espaço de romaria política, com flashes espocando.
Jair Bolsonaro evoca aos seus seguidores a chance de salvação nacional.
O Messias ensanduichado entre os nomes pelos quais é mais conhecido parece confirmar o apetite salvacionista dos seus simpatizantes e eleitores.
O atentado sofrido por Bolsonaro deve ser investigado e lamentado.
Não há dúvidas de que os seus estrategistas políticos vão potencializar os efeitos eleitorais do drama por que passa o presidenciável. Qualquer outro dos candidatos assim o faria.
Não custa lembrar: UTI hospitalar não é palanque político e eleitoral.
A história já nos deu um exemplo.
Por Sérgio Trindade