É hora de merendar a hipocrisia
O texto que ora segue foi publicado em outro espaço há duas semanas e me causou espanto não somente a resistência de colegas em querer discutir aberta e francamente a possibilidade do retorno das aulas presenciais, mas a dificuldade de doutos entenderem o que eu havia escrito. Lembrei-me do texto Da arte do brasileiro de ler o que não está escrito (https://brainly.com.br/tarefa/12896398), de Cláudio Moura Castro. Fui acusado de querer a volta às aulas presenciais, de não entender a realidade da escola pública, etc, etc e etc.
Sou professor há uns bons e a escola pública causa-me de preocupação diária e constante. A pandemia escancarou, por postura no mínimo omissa de gestores, ainda mais os problemas.
Há umas duas vi um post, não conferi para saber se é verdadeiro ou não, que me chamou a atenção e, de certa forma, fez-me sair da zona de silêncio na qual eu estava até então.
Nas semanas que passaram vi ou soube de muitos professores de instituições públicas de ensino, a esmagadora maioria militante da causa do Fique em casa e do Retorno às aulas apenas com vacina, deixando alegre e displicentemente os seus filhos e netos para assistirem aulas presenciais em escolas da rede privada de Natal.
Parece-me estranha, para dizer o mínimo, a postura dos valorosos docentes inviabilizarem que filhos e netos dos outros possam acompanhar as aulas presencialmente enquanto mantêm os seus filhos e netos em aulas presenciais em escolas privadas. Como parece-me estranho muitos colegas docentes que estiveram por semanas em manifestações políticas recusarem-se melíflua e cinicamente a estar em sala de aula lecionando – tarefa para qual são pagos, pois a função do docente é lecionar e não exatamente estar em manifestações políticas. Nada impede que lá estejam, acompanhados por amigos e colegas, defendendo as pautas que quiserem, depois de cumprirem com os seus afazeres profissionais.
É preciso discutir o assunto volta às aulas presenciais seriamente, com base em dados científicos e técnicos – afinal, como dizem os diligentes defensores da ciência, “devemos dar voz aos cientistas”. Que dispam as vestes da hipocrisia e adequem o discurso à prática. Ou, então, assumam abertamente a hipocrisia.
Talvez, quem sabe, já seja possível deixar a meninada merendar. As duas merendas, a que sacia a fome digestiva e a que sacia a fome intelectual.
É hora de sindicalistas sedentos (e as mariposas por eles atraídos) por espaço político deixarem o palco ser ocupado por especialistas que entendem do assunto. Ou assumam que o discurso da defesa da ciência é apenas jogo de cena.
A quem leu o texto e julgou que estava escrito o que eu não escrevi, esclareço: o texto segue um caminho um caminho: o da hipocrisia de quem põe o filho para assistir aulas presenciais em escolas privadas sem querer discutir seriamente a viabilidade ou não das aulas presenciais em escolas públicas, para desembocam num questionamento: por que o assunto não é abordado com seriedade e baseado em dados técnicos e científicos?
É o que está dito.