O bom amigo
Voltei aos bancos da UFRN em 1992 para cursar História.
Ali tive o prazer de conhecer uma pessoa que foi de grande importância para o meu crescimento intelectual: Walner Barros Spencer.
Gaúcho de alma potiguar, Spencer foi o colega e amigo que me fez enxergar sob outra ótica, pois foi o grande responsável por eu lentamente começar a tirar as lentes de militante esquerdista com as quais via mundo.
Não foram poucos os momentos de debates acalorados em sala de aula estendidos ao Bar do Mariu’s, ali no CCAB Sul, nos quais os temas dominantes eram história e filosofia e invariavelmente descambavam para política e raramente para futebol.
Nos corredores da universidade o tema era quase sempre história, com pitadas fortes de história do Rio Grande do Norte, quando Spencer mostrava que conhecia mais do nosso estado do que todos nós da turma.
Foi instigado por ele que comecei a me debruçar sobre a história local. Foi instigado por ele que comecei a ler os clássicos da filosofia e da ciência política. Foi instigado por ele que abandonei o discurso de militante idiotizado e passei a refletir mais seriamente sobre o que vem a ser história.
Spencer foi a primeira pessoa com quem eu conversei longamente sobre Gramsci, filósofo italiano que eu já lera, de passagem, quando cursava Economia na mesma UFRN.
Nas nossas conversas, ele discorria sobre a influência de Gramsci na cultura e na educação, apontando que os departamentos de educação estavam tomados pelos princípios norteadores da filosofia gramsciana.
Nas aulas das disciplinas de educação, Spencer fustigava a todos, professores e alunos, martelando o assunto. De todos os professores do Departamento de Educação, só vi um, Eládio, professor de Psicologia da Educação, que confirmava as, digamos, suspeitas de Spencer.
Quase dez anos depois de formados, ainda em meados da década passada, tomando um uísque com o meu bom amigo, ele me provocava com o mesmo assunto (influência de Gramsci na universidade brasileira e nos departamentos de educação) e eu, entre inerte e envergonhado, confirmava que ele acertara.
O príncipe era o partido, como afirmara claramente o filósofo italiano muito citado e pouco lido no seu ótimo Maquiavel, a politica e o Estado moderno: “O moderno príncipe, o mito-príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só pode ser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconhecida e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é determinado pelo desenvolvimento histórico, é o partido político: a primeira célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que tendem a se tornar universais e totais”.
Apaixonado por História, área na qual se formou quando já era homem feito, e à qual dedicou as duas últimas décadas da vida,
Ontem soube que o meu ex-colega de UFRN e amigo desde então partira para não mais voltar. Escolheu uma das mais importantes datas históricas do Brasil, 7 de setembro, o dia da nossa independência.
Ficam dele os ensinamentos e as melhores lembranças.
Por Sérgio Trindade