A gripe, o morto e o pateta

por Sérgio Trindade foi publicado em 17.mar.20

A pandemia que vivenciamos hoje pode ser revisitada. https://www.bbc.com/portuguese/internacional-51824167

O Brasil já teve complicações políticas presidenciais com uma gripe há mais de um século.

O mineiro Delfim Moreira era primo de Vesceslau Brás, também mineiro, sucessor do desastroso e desastrado Hermes da Fonseca e responsável pelo pacto de Ouro Fino, cidade mineira na qual foi feito o acordo tácito pelo qual São Paulo e Minas Gerais iriam se revezar na chefia do governo federal.

Calado e matreiro, Venceslau não era homem de cultivar lealdades.

Traiu, sem sentimento de culpa algum, quando governador de Minas Gerais, ao Presidente Afonso Pena, o que lhe perspegou a alcunha de Judas Venceslau.

Durante quase duas décadas, o senador gaúcho Pinheiro Machado foi uma espécie de condestável da República.

Foi sugestão dele ao Presidente Campos Sales a criação da Comissão Verificadora de Poderes.

Formada por cinco parlamentares, a ela cabia julgar a regularidade e licitude das eleições, definindo quais candidatos eleitos pelo voto para cargos executivos ou legislativos podiam tomar posse, função hoje da Justiça Eleitoral.

Funcionava, na prática, para impedir que candidatos oposicionistas pudessem ser eleitos e atrapalhassem os desígnios dos grupos oligárquicos que controlavam o poder político no país.

Eleito Presidente e livre da influência de Pinheiro Machado, senador que controlava a Comissão Verificadora de Poderes, Vesceslau pôde fazer os conchavos que permitiram a eleição do paulista Rodrigues Alves e do mineiro Delfim Moreira, respectivamente Presidente e Vice-Presidente da República.

A eleição de Rodrigues Alves iria garantir, na prática, a supremacia de São Paulo e Minas Gerais na política nacional. Entretanto, o Presidente eleito foi tragado pela pandemia do vírus influenza, que se espalhou pelo mundo em 1918, vindo a falecer antes da posse.

A pandemia recebeu, no Brasil, o nome de gripe espanhola por ter irrompido no Rio de Janeiro após a chegada de um navio que trazia imigrantes da Espanha.

Os primeiros casos da doença, porém, foram registrados nos Estados Unidos (Kansas e Nova Iorque), no mês de março, logo espalhando-se pelo mundo.

No Brasil, foram 17 mil mortos no Rio de Janeiro, em dois meses, e 8 mil em São Paulo durante mês, com cenas aterrorizantes – corpos putrefatos amontoados nas ruas e nas entradas dos cemitérios. https://brasil.elpais.com/sociedade/2020-03-16/em-1918-gripe-espanhola-espalhou-morte-e-panico-e-gerou-a-semente-do-sus.html

A vítima fatal mais famosa no Brasil foi, como dito acima, o conselheiro, ex-Presidente da República e à época Presidente eleito, em 1º de março de 1918, Francisco de Paula Rodrigues Alves, o primeiro reeleito para chefiar o Executivo federal.

Acometido pela gripe espanhola, Rodrigues Alves enviou, em 14 de novembro de 1918, comunicado ao Congresso Nacional transferindo o cargo a Delfim Moreira, Vice-Presidente eleito, que assumiu, no dia seguinte, como Presidente interino.

Diariamente, Delfim Moreira ia à casa de Rodrigues Alves, localizada na rua Senador Vergueiro e vizinha ao Palácio do Catete, para receber instruções do Presidente eleito. Nada era feito sem o seu consentimeto, arranjo que durou até janeiro do ano seguinte, pois a 16 de janeiro de 1919 Rodrigues Alves morreu.

Delfim Moreira foi efetivado no cargo, mas eleições foram convocadas para 13 de abril porque não havia transcorrido metade do mandato.

Já desde o seu desembarque no Rio de Janeiro, em estado de profunda debilidade, poucos o julgavam capaz de governar por duas semanas. O caso era tão sério que o general Dantas Barreto chegou a dizer que não seria possível ocultar o estado de saúde do Presidente nem por conveniência política.

O Presidente assinava papeis sem ler e se os lia nada entendia. A doença o deixava aparvalhado, falando e fazendo coisas sem o menor sentido, enquanto o país seguia sem rumo.  

Quem governava, de fato, era o Ministro da Viação e Obras Públicas Afonso Arinos de Melo Franco, pai do futuro Senador e Ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos.

O mineiro Delfim Moreira permaneceu Presidente até 14 de novembro, quando foi sucedido pelo paraibano Epitácio Pessoa.

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