Carlos Lacerda, convertido e reconvertido
Sábado último (24), o ex-ministro Sérgio Moro entregou o cargo de Ministro da Justiça e saiu atirando.
Num primeiro impulso, dado o histórico de confronto de Moro, que alvejou Lula e Dilma e agora acerta em Bolsonaro, veio à memória a figura do ex-jornalista, ex-deputado e ex-governador Carlos Lacerda.
Lacerda faleceu em 1977, cassado pelo regime que ajudou a construir em 1964, e teve um necrológio belíssimo elaborado pelo jornalista Elio Gaspari, que em nove palavras (Carlos, como Marx, Frederico, como Engels, Werneck de Lacerda) conseguiu sintetizar todo o drama político ideológico vivido por ele, Lacerda, ao longo de sua rica e atribulada vida.
Nascido em Vassouras-RJ, Lacerda recebeu o nome Carlos Frederico em homenagem a Karl Marx e Friedrich Engels.
Filho do político e escritor Maurício de Lacerda e de Olga Caminhoá Werneck e neto paterno de Sebastião de Lacerda, ministro do STF, Lacerda era descendente de nobres pelo lado materno.
Egresso de família tradicional, cedo o futuro derrubador de Presidentes da República caiu de amores pelo comunismo, por influência do pai e de dois tios paternos, que militaram no Partido Comunista Brasileiro, envolvendo-se no início dos anos 1930 em ações contra o regime implantado por Getúlio Vargas em 1930 e ficando responsável, em março de 1934, pela leitura do manifesto que lançou oficialmente a Aliança Nacional Libertadora (ANL), ligada ao PCB.
Após a eclosão e imediato fracasso da revolta comunista de 1935, Lacerda fugiu para uma chácara em Vassouras, onde ficou sob a proteção da família, dedicando-se a leituras que lhe abriram o caminho para romper, em 1939 com o comunismo e iniciar o caminho que lhe consagrou como um dos maiores tribunos e porta-voz do movimento conservador no Brasil, pondo-o também frontalmente contrário a Getúlio Vargas e à aliança política (PSD-PTB) que dava sustentação à plataforma varguista e trabalhista.
Lacerda foi o homem que mais problemas causou a Presidentes da República, entre os anos 1950-60.
O suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e a deposição de João Goulart, em 1964, são diretamente atribuídos às ações do jornalista, político e tribuno fluminense.
Mas vamos por partes.
Nunca li uma linha em que Lacerda tenha tomado para si a culpa pelo suicídio de Vargas. A carta-testamento deixada pelo ex-presidente demonstra claramente que havia muita prepotência nele e, quando se viu encurralado, preferiu a suicídio como ato político final, lançando o povo contra as forças que o pretendiam depor. Nos diários deixados, Vargas vez por outra indica a tentação suicida, mais de uma vez, caso os caminhos da política o pusessem em xeque-mate desmoralizador.
Lacerda denunciou que Jânio Quadros o convidara para fechar ou amordaçar o Congresso. Exposto, Jânio renunciou aguardando o chamado do povo e das Forças Armadas, que ele atenderia desde que com poderes excepcionais. O tiro saiu pela culatra, porque o vice, João Goulart, assumiu com os poderes podados por emenda parlamentarista, em 1961, e plenamente recuperados em 1963.
João Goulart bagunçou o governo de João Goulart, quando virou às costas para Celso Furtado e seu plano de recuperação econômica e para a esquerda positiva e caiu no colo dos radicais que o cercavam, aumentando a temperatura política, fato que tornou praticamente inevitável uma saída excepcional.
Alguns dos percalços dos dois primeiros Presidentes, Castello Branco e Costa e Silva, alçados ao Palácio do Planalto pelo movimento militar de 1964 foram motivados pela verve lacerdista.
Somente a cassação dos direitos políticos, em 1968, calaram aquele que os inimigos chamavam de Corvo, um dos personagens mais fascinantes do Brasil contemporâneo, que, como já disse alguém, errava e acertava sempre em grandes proporções.