Censura, censor e humor – Parte 1
Oito dias depois de decretar o Ato Institucional nº 5 (AI-5), o regime nascido da união de militares e civis insatisfeitos com os rumos traçados pelo governo do presidente João Goulart criou o Conselho Superior de Censura, com o objetivo de julgar os órgãos de comunicação.
Antes, devido à promulgação da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, a famigerada Lei de Imprensa, a liberdade de expressão sofreu um baque. Posteriormente, por meio do Decreto nº 1.077, de 21 de janeiro de 1970, foi estabelecida a censura prévia.
Qualquer um que não seguisse o script poderia sofrer penalidades.
Durante o período de atuação do Conselho Superior de Censura, mais de 900 peças e filmes foram censurados e a imprensa passou a ser controlada com maior rigor.
Veículos como Veja, Correio da Manhã, O Estado de São Paulo e outros recusavam-se a se dobrar facilmente à censura e a ordem genérica era: “Façam as reportagens e deixem que os censores cortem”.
Quando os censores passavam a tesoura nos textos e como o regime não admitia que jornais e revistas saíssem com espaços em branco, eles passaram a ser preenchidos por cartas escritas pelos próprios redatores ou textos sobre jardinagem ou falsas receitas de bolo ou trechos de poemas. Era a estratégia usada para denunciar a censura. No entanto, a maioria dos leitores não percebia o engenho e ligavam ou escreviam para as redações elogiando pelo apoio à literatura ou à jardinagem ou para reclamar sobre receitas culinárias que não estavam dando certo.
Quem mais trombou com a censura foi o semanário O Pasquim, tabloide criado para satirizar o Brasil do regime autoritário, que nascera após uma reunião entre os jornalistas Sérgio Cabral e Tarso de Castro e o cartunista Jaguar.
Lançado em 1969, O Pasquim vendia em torno de 100 mil exemplares. Era mais do que as revistas Veja e Manchete juntas.
Para se antecipar a possíveis xingamentos, Jaguar sugeriu o nome (pasquim significa jornal difamador, folheto injurioso), pois assim os adversários teriam que “inventar outros nomes para nos xingar”. Foi ele também quem criou o símbolo do jornal, o ratinho Sig (de Sigmund Freud). E Jaguar justificava a escolha: “Se Deus criou o sexo, Freud criou a sacanagem”.
São muitos os lances hilários envolvendo O Pasquim, mas um é emblemático daqueles anos.
A edição de 13 de agosto de 1970, quase dois meses após a conquista do tricampeonato de futebol nos gramados mexicanos, Jaguar desenhou uma família de miseráveis inspirado no quadro Retirantes, de Portinari, com uma bandeira do Brasil e o título “Avante Seleção!” e logo acima pôs um trecho do poema “E agora, José?”, de Carlos Drummond. A repressão, que deveria ir para cima de Jaguar, foi em busca de Drummond, exigindo que o cartunista explicasse à censura que o pacato poeta nada tinha a ver com o assunto.
Um outro não envolve o semanário mas dá uma ideia do baixo nível cultural dos censores.
Era início da década de 1970 e Nélson Silva, então chefe de redação da revista Veja, no Rio de Janeiro, entrou na sala de embarque de Congonhas com o livro Trotski, o profeta armado, de Isaac Deutscher. Após ser revistado, um agente pegou o livro, examinou-o detidamente e, após alguns segundos, olhando o jornalista com firmeza sentenciou: “Ah, o senhor é crente, não é? Eu também sou”, e desejou-lhe boa viagem.