O Brasil já teve um Presidente louco
Em 1915, a sucessão de Venceslau Brás, cujo mandato presidencial se encerraria em 15 de novembro de 1918, já era tratada nos bastidores e, uma vez mais, o nome de Rui Barbosa, figura ímpar e admirada por todos mas que nunca conseguia o consenso necessário para ascender à curul presidencial, foi descartada.
Havia, segundo historiadores, um impasse político e, então, os donos do poder foram buscar em Guaratinguetá, interior de São Paulo, o velho conselheiro e ex-Presidente da República, Francisco de Paula Rodrigues Alves, para assumir a empreitada, pesada para um homem já velho e de saúde precária.
Abundam textos de contemporâneos, como Altino Arantes (governador de São Paulo) e Carlos Maximiliano (Ministro da Justiça), sugerindo que Rodrigues Alves não suportaria o fardo e morreria antes da posse, como de fato ocorreu.
Escolhido o titular, era necessário organizar a chapa de forma a fortalecer a aliança São Paulo-Minas Gerais, aceita pelos estados do Norte e também pelo Rio Grande do Sul, e então Nilo Peçanha sugeriu o nome de Delfim Moreira, governador de Minas Gerais e que tinha pretensões presidenciais, como companheiro de chapa de Rodrigues Alves.
O primeiro a protestar contra o acordão, por meio de manifesto publicado no Imparcial, foi Rui Barbosa, imediatamente rebatido pelo Jornal do Comércio, que alegava que o político baiano “desejava substituir o processo constitucional pelo processo revolucionário”.
Nascido em Minas Gerais, Delfim Moreira era um homem afável e de hábitos muito simples, que chegou a cogitar criar galinhas nos jardins do Palácio do Catete, residência oficial e sede do governo.
Assumiu a Presidência da República porque o titular, Rodrigues Alves, caiu vítima da gripe espanhola ou de alguma outra moléstia e enviou, em 14 de novembro de 1918, véspera da posse, mensagem ao Congresso Nacional dando conta que o seu vice assumiria como Presidente interino.
Empossado, Delfim Moreira vivia alheio ao que ocorria à sua volta e ia diariamente à casa de Rodrigues Alves, na rua Senador Vergueiro, jocosamente apelidada de Catetinho, para saber o que devia fazer, como deveria proceder.
No Palácio do Catete, ninguém o procurava para resolver nada, pois era no Catetinho que tudo se decidia.
Quase não governou o Brasil, pois durante o seu curto mandato delegou a tarefa a Afrânio de Melo Franco, Ministro da Viação e Obras Públicas.
Quando desembarcou no Rio de Janeiro para assumir o governo, testemunhas afirmam, Delfim Moreira parecia “mais morto que vivo” e o tempo mostrou que o Presidente estava “com debilidade gritante”, a ponto de o general Dantas Barreto afirmar ser “tão notória a incapacidade mental de Delfim, que não a ocultavam nem mesmo os que tinham de fazê-lo por conveniência política”.
Não se sabe ao certo qual era a moléstia de Delfim Moreira. Presume-se que o seu quadro de senilidade precoce foi motivado por arteriosclerose prematura ou sífilis terciária.
Delfim Moreira assinava documentos sem ler, ficava espiando políticos e autoridades nacionais e estrangeiras por trás das portas do Palácio do Catete, mangava dos seus assessores durante as reuniões ministeriais.
Conta-se que Rui Barbosa e um jornalista foram visitá-lo certo dia, aguardando por mais de uma hora. A porta do gabinete foi, várias vezes, levemente aberta e fechada e o Presidente ficou a espiá-los, sem a eles se dirigir.
Entristecido, Rui teria declarado:
– O Brasil é mesmo um país muito estranho. Até um louco chega a Presidente e eu, são e no gozo de minhas faculdades mentais, não posso.