O partido da ordem
Desde a redemocratização, pós-Estado Novo, até os dias atuais, excluindo-se o período autoritário nascido em 1964 e morto em 1985, o Brasil sempre teve um partido da ordem, uma espécie de fiel da balança responsável por garantir a governabilidade por meio de votos no Congresso Nacional.
O primeiro foi o Partido Social Democrático (PSD), braço político daqueles que, durante o Estado Novo, deram sustentação ao Estado Novo.
Forte no meio rural, bom de voto e com muito prestígio regional, o partido sabia da importância de eleger prefeitos para valorizar o passe nos pleitos para Presidente da República, Governadores e para o Congresso Nacional. A tática garantia poder de fogo para fechar acordos e alianças. A capacidade de articulação e a formação de bancada forte e coesa no Congresso Nacional lhe permitiria influir com força e eficácia destinos da política nacional, garantindo, por extensão, entre 1945 e 1964, a estabilidade do regime democrático.
O segundo foi o Partido da Frente Liberal (PFL), legenda nascida de uma costela do Partido Democrático-Social (PDS), sucessor da Aliança Renovadora Nacional (ARENA), agremiação que sustentou a ditadura civil-militar.
O nome era novo, mas o PFL, fundado em 24 de janeiro de 1985, carregava consigo a herança do PDS e da ARENA.
O PFL era diferente do PSD. Este tinha organicidade, grande capacidade de formulação e imenso apego pragmático aos instrumentos políticos e administrativos de Estado.
Atualmente, o partido da ordem é o Partido Social Democrático (PSD), o qual, apesar do nome, nada tem a ver com o dos anos 1940-60.
O atual PSD não foi criado por um impulso econômico ou ideológico, mas para viabilizar o desfecho de um processo que começou na segunda metade dos anos 1980 e que se aprofundou nos últimos dez anos, a saber, a sanha do parlamento em abocanhar generosas fatias do orçamento da União.
O atual PSD tem subido nas costas do governos. De quaisquer governos e em qualquer âmbito – federal, estadual e municipal, e vendido caro o seu apoio a projetos que passem pelo Congresso Nacional.
O seu líder, Gilberto Kassab, carrega o lema oposto à sentença anarquista: Se há governo, sou a favor.
Recentemente o governista-mor afirmou o seguinte: “Desprezar Lula é para quem não conhece política; ele ganhou cinco eleições, três disputando diretamente e duas com a Dilma. Os números mostram hoje o PT numa posição bem mais frágil que os outros partidos, mas se você comparar há quatro anos, ele avançou bastante. Ainda está bem frágil, mas avançou bastante. Então eu não menosprezo o Lula, não, um líder que atendeu milhões de famílias com bolsa-família, milhões de famílias com Minha Casa, Minha Vida, com Luz para Todos e tantas outras ações que poucos no Brasil têm e que não deixa de ser um cacife eleitoral.”
Kassab é o político Keyser Söze, personagem do filme Os Suspeitos do Costume (The Usual Suspects), de 1995.
Descrito como um senhor do crime, Keyzer atinge, quanto à brutalidade e impacto, estatuto lendário e mítico, sendo temido por criminosos e policiais. Um Rogério Andrade das telas cinematográficas (não sei como os nossos cineastas brasileiros não criam filme ou série histórico-ficcional sobre o sobrinho de Castor de Andrade), pois sempre escapa das garras da justiça e nunca é visto.
Kassab, política da surdina, é assim, flerta com todos os lados, da extrema direita à estrema esquerda. E sempre à base de cargos e verbas, nunca de ideias. Em suma, é o velho político clientelista e assistencialista que compõe com qualquer governo, apoiando de corpo, alma e aliados para multiplicar votos e controlar legiões de correligionários.
Para dar exemplo recente, fez a proeza de indicar ministros para o governo do Presidente Lula e, ao mesmo tempo, ser o principal secretário do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas. Está também com Ricardo Nunes, prefeito reeleito de São Paulo.
O PSD é o grande vitorioso no pleito municipal deste ano, elegendo 891 prefeitos (1º lugar) (https://www.poder360.com.br/poder-eleicoes/saiba-quantos-prefeitos-cada-partido-elegeu-em-2024-2/) e 6.624 (3º lugar) (https://www.cnnbrasil.com.br/eleicoes/quais-partidos-tem-mais-vereadores-eleitos-em-2024/) e terá munição para emparedar governos Brasil afora, caso governos lhe virem a cara.
Mas ninguém se engane, quando Kassab fala sobre Lula, ele reforça seus sinais de aliança com o Presidente, pois ele é adepto da ideia de que é melhor dividir um poder certo do que buscar o poder incerto. Nada diferente do que foram o PSD antigo e o PFL, os quais, como já disse acima, tinham diferenças de fundo.
Qualquer liderança partidária programática deveria observar Kassab com extremo cuidado, porque ele é o tipo de líder político clientelista capaz de contaminar a direita e a esquerda pelo centro. Se não já está contaminando.
Isso não quer dizer que o governante, que tem a tarefa de governar, não recorra aos préstimos de Gilberto Kassab, o Keyser Söze tupininiquim. Seria saudável para o bom debate, entretanto, mantê-lo à distância das grandes decisões nacionais.
É só deixá-lo saciado com cargos e verbas, desde que a gula kassabiana não destrua os cofres públicos.