Portugal, o infante D. Henrique e Pedro Álvares Cabral (3)
Portugal e Espanha foram os precursores da aventura marítima no oceano Atlântico, com os portugueses abrindo dianteira, favorecidos por fatores como localização geográfica privilegiada, experiência náutica, em grande medida resultado do acúmulo de técnicas de navegação, via experiências e também pelos estudos realizados na Escola de Sagres, a ausência de conflitos internos e externo, o surgimento de uma classe de comerciantes com um razoável grau de organização e uma precoce centralização política.
Não é possível entender o processo de expansão marítima sem exaltar o papel da Santa Sé, a única entidade universal estabelecida entre as Idades Média e Moderna, dada a ascendência moral e intelectual que exercia e que foi determinante para que somente ela distribuísse, conforme Hélio Vianna, em sua História do Brasil, “entre os príncipes católicos, a missão cristianizadora a ser desenvolvida, violenta ou pacificamente, em ilhas e terras dos infiéis”, o que acarretava que a Cúria Romana tinha soberania sobre todas as áreas conquistadas pelas nações cristãs, razão pela qual o rei português D. Afonso IV recorreu, ainda no século XIV, ao Papa Clemente VI para reivindicar a posse das Ilhas Afortunadas (Ilhas Canárias) e que prosseguiu por todo o século XV e parte do século XVI, como demonstrou Hélio Vianna : “Iniciada, com a conquista de Ceuta, a ação ultramarina do Reino peninsular, do Papa Matinho V obteve D. João I, em 1418, a bula Sane charissimus, que concedeu à empresa marroquina o caráter de cruzada, com todas as suas consequências. Revolvendo-se a prossegui-la, não deixou o seu filho e herdeiro de recorrer ao Sumo Pontífice. Este, Eugênio IV, pela bula Rex Regum, de 1436, expressamente declarou que “ficariam sujeitas a D. Duarte e seus sucessores as terras por ele conquistadas aos infiéis. A esse tempo, porém, um novo chefe e outro organismo eram incumbidos, em Portugal, da missão expansionista rumo às Índias. Referimo-nos ao Infante D. Henrique e à Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, de que era Mestre. Dirigindo-se ao mesmo Papa, reconheceu-lhe este, pela bula Etsi suscepti, de 1442, que, depois de sua profissão naquela milícia, poderia reter, administrar e legar as terras, portuguesas ou não, que lhe fossem doadas, bem como as ilhas do mar Oceano. Em concordância com essa autorização, coube à Ordem de Cristo propiciar o povoamento e a exploração da Madeira, Porto Santo, Açores e Cabo Verde, futuros modelos iniciais da colonização do Brasil, através do regime das Capitanias hereditárias, da cultura da cana-de-açúcar e da utilização do trabalho escravo. A primeira restrição nas concessões papalinas feitas a Portugal pareceu na nova bula Rex Regum, do mesmo Eugênio IV, em 1443, dando a categoria de cruzada às expedições que a D. Afonso V assegurariam o cognome de Africano. Ressalvou, aí, os direitos alegados por João II, Rei de Castela e Leão, relativamente às terras que houvessem pertencido aos seus antecessores, as quais não estariam compreendidas nas que fossem tomadas aos infiéis, e que ficariam pertencendo àquele soberano português e aos seus sucessores. Outras confirmações de seus privilégios, e mesmo, verdadeiras ampliações de encargos, obteve de novos Papas a Ordem de Cristo. Assim, pela bula Romanus Pontifex, de 1454, de Nicolau V, foi-lhe concedida a jurisdição espiritual das terras que localizassem desde o Cabo Não até à India. Confirmou-a, pela primeira bula denominada Inter Coetera de 1456, o Papa Calixto III, expressamente citando as ilhas do Oceano, as zonas desde o Cabo Bojador e Não, por toda a Guiné, e além até os Indos”.
Portugal, país pequeno, pobre e ousado, foi pioneiro em chegar às cobiçadas Índias. Um sábio enciclopédico medieval, Lull ou Lúlio, afirmou em 1305, num livro chamado De fine, que as cruzadas marítimas constituíam um sistema improfícuo para a para conquistar a Terra Santa. O método mais viável seria rechaçar progressivamente os infiéis das terras onde estivessem ou vizinhas donde estivessem os cristãos, obrigando-os “a abandonarem todas as conquistas feitas aquém da Arábia, e a retrocederem pelo mesmo caminho por onde tinham avançado vitoriosos”. O começo de dessa cruzada terrestre começaria “pela conquista de Granada, sendo depois a guerra transferida a Ceuta, e daí por toda a África setentrional, até o Egito (…)”, conforme expõe Varnhagen em sua História Geral do Brasil.
Para atingir seu propósito, os portugueses partiam do princípio de que era preciso contornar a África (havia quem dissesse que a África não tinha fim), tarefa iniciada em 1415, com a tomada da possessão árabe de Ceuta, no norte do continente africano, desalojando os infiéis daquela localidade. Daí em diante os herdeiros do rei D. João I prosseguiram, segundo Varnhagen, “nesse grande pensamento, apoderando-se de outras terras dos Algarves da África. O infante D. Henrique, filho daquele rei, propôs-se a diminuir a riqueza e por consequência a importância do Egito, bloqueando-lhe o seu rendoso comércio da especiaria, não do lado do Mediterrâneo, mas, como muito maior ousadia, pelos mares do Oriente, que tratou de buscar, empreendendo chegar à Índia por meio da circunavegação da África”.
A expedição à Ceuta deu muitos lucros ao rei de Portugal, o qual continuou investindo na empreitada oceânica. A partir de então e ao longo de todo o século XV, os portugueses exploraram a costa do continente africano, fixando várias feitorias.
A empreitada náutica portuguesa era extremamente ousada e custosa, logo não poderia ser empresa de apenas uma geração, como atesta Varnhagen, ao destacar que o infante D. Henrique falecera sem concretizar seus propósitos. A sua morte, porém, não destruiu o projeto lusitano, como demonstra a doação que Fernão Teles recebeu, em 1474, de todas as ilhas despovoadas a oeste dos Açores. Em 1488, o navegador Bartolomeu Dias, viajando para o sul, chegou a um cabo ao qual denominou de Cabo das Tormentas, em face das dificuldades que encontrou na região. Era o “fim” da África e estava descoberta a passagem para as Índias. Dez anos depois, outro navegador, Vasco da Gama, seguiu o rumo de Bartolomeu Dias e, atravessando o oceano Índico, chegou às costas da Índia (1498) e abriu para os lusitanos as vastíssimas riquezas das Índias.