A política potiguar e o anedotário político (1)
Os causos sobre fatos políticos me fascinam, desde que eu era criança.
Como ando (re)escrevendo sobre a campanha de 1960, quando Aluízio Alves, pelas forças oposicionistas, e Djalma Marinho, apoiado pelo governador Dinarte Mariz, disputaram o principal assento no Palácio Potengi, deparei-me com muito folclore político e resolvi contar alguns.
A maioria me chegou por testemunhas oculares. Todos confirmados por mais de uma fonte, oral e/ou escrita.
Começo com um que me foi dito pelo meu pai (falecido em 1983), que o soube por meio de meu avô (falecido em 1969), amigo de seu Nezinho Alves, pai de Aluízio. Serviu-me também como fonte, há mais de três décadas, minha tia, Deofran Veras Trindade, hoje com 96 anos de idade. O fato está citado no livro O que não esqueci, do ex-governador Aluízio Alves. Já li o livro algumas vezes, mas não me recordava dele. Relendo-o, para ajustar trabalho que já escrevi sobre a campanha que alçou Aluízio ao governo do estado e como se processou a sua gestão à frente do executivo estadual, encontrei menção ao ocorrido.
Relato-o seguindo as fontes orais e escritas.
Durante a campanha de 1960, Djalma Marinho falou, em discurso no centro de Natal, que a multidão que acompanhava Aluízio nos comícios, nas passeatas e nas vigílias era formada por uma gentinha analfabeta, “que não podia votar.” Agnelo Alves, em depoimento prestado a mim, no início deste século, disse que o adversário assim se referiu à campanha de Aluízio, comparando-a com a dele: “Estão comigo prefeitos e deputados e com Aluízio apenas uma gentinha. Indignado, o nosso pessoal foi encontrar Aluízio, que voltava do interior, em Macaíba. Eu e Erivan França contamos o ocorrido e ele permaneceu calado. Seguimos todos para o Alecrim e encontramos um mundão de gente. Pegando o microfone, Aluízio começou: ‘Minha querida gentinha de Natal’. Daí pra gentinha passou a ser expressão de uso frequente durante toda a campanha”. O desembargador João Maria Furtado, pai de Roberto Furtado, escreveu em seu livro Vertentes que aquilo foi um “grande erro cometido pelo comando da campanha de Djalma Marinho”, pois aproximou o eleitor humilde da campanha aluizista.
Assustado com o frêmito logo transformado em verdadeira explosão que se tornou a campanha do candidato de oposição, seu ex-amigo e ex-correligionário, agora adversário e logo inimigo, o governador Dinarte Mariz resolveu criar fatos que permitissem algum toque popular e mesmo popularesco ao seu governo e ao seu candidato, reconhecidamente competente e preparado, mas distante do eleitorado mais humilde. Para tal, tirou uma fotografia, no Palácio Potengi, com Maria Mula Manca, deficiente física e cambista do jogo do bicho nascida no mesmo município dele, Serra Negra do Norte, Seridó potiguar.
Maria Mula Manca era dinartista convicta. Defendia o governador de maneira fervorosa. Andava gritando, durante a campanha, pelas ruas do centro da cidade: “Votem nos três ‘emes’: Mariz, Maia e Marinho”, numa referência a Dinarte Mariz, Tarcísio Maia e Djalma Marinho. Um de seus passatempos era xingar Aluízio Alves. Qualquer um que ousasse retrucá-la era alvo de seu cajado de marmeleiro, companheiro fiel e infalível de suas peregrinações.
A fotografia, com a legenda Dinarte e o povo, ilustrou as páginas do jornal A República, mostrando que o povo, ali representado por Maria Mula Manca, estava indo ao encontro do governador. Para rebater a mensagem, o deputado Theodorico Bezerra, então correligionário de Aluízio, mandou imprimir material, com a mesma fotografia, mas com a seguinte legenda: Dê-se o respeito, Sr. Governador. Na mesma noite, em comício na praça André de Albuquerque, Aluízio, de posse do material elaborado pela assessoria de Theodorico, bradou de cima do palanque: “Tenho em minhas mãos fotografia do governador e Maria Mula Manca. O registro fotográfico é excelente, mas faço uma correção na legenda que está ‘Dê-se o respeito, Sr. Governador’. O certo seria ‘Dê-se o respeito, Maria Mula Manca’.”
Maria Mula Manca também ficou conhecida como pessoa de palavra. Diferente de muita gente de hoje que diz que iria embora do Brasil se A ou B ganhar a eleição, ela prometeu deixar Natal caso Aluízio Alves fosse vitorioso contra Djalma Marinho, e assim o fez.
Aluízio venceu o pleito e Maria Mula Manca voltou para sua Serra Negra do Norte e até onde se sabe nunca mais voltou à capital do estado.