A vergonha que não existe

por Sérgio Trindade foi publicado em 28.set.24

Inexistente no aparato legal, a legítima defesa da honra retornou trazida por aquela parcela da sociedade brasileira antenada com os mais lídimos princípios civilizacionais depois que o apresentador José Datena, candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, deu uma cadeirada em Pablo Marçal, seu adversário na peleja eleitoral.

A expressão foi criada e sobreviveu por anos, como um fantasma, para justificar homem que mata mulher por ciúme e começou a ser sepultada no caso envolvendo Ângela Diniz e Doca Street.

Ângela Diniz foi assassinada em 1976 por seu namorido Raul Fernando do Amaral Street, mais conhecido como Doca Street, após uma crise de ciúmes, no que foi um dos crimes mais conhecidos e rumorosos do país.

Casado e com filhos, Doca Street deixou sua família alguns meses antes do incidente para viver com Ângela Diniz uma relação marcada por crises intensas de ciúmes e festas de gala. O relacionamento chegou a ser interrompido por curto período.

Semanas após a separação, Doca matou Ângela, então com 32 anos, com quatro tiros no em 30 de dezembro de 1976, durante uma discussão na casa de praia da socialite, em Búzios, Rio de Janeiro.

Inicialmente, Doca foi condenado à pena de dois anos de prisão, suspensa por ação de sua defesa. Porém, em 1981 o Ministério Público recorreu e o empresário foi condenado a 15 anos de prisão, cumprida integralmente.

O advogado de defesa, Evandro Lins e Silva, apresentou o cliente como um rapaz apaixonado e inteiramente dominado pela namorada, uma mulher fatal e, portanto, responsável por levar os homens a atitudes extremas. O caminho serviu à perfeição para amparar o argumento da legítima defesa da honra, porquanto o ato ter sido movido por amor. Com a tese, Evandro Lins e Silva transformou o assassino em um homem “humilhado às últimas consequências” e mostrou a vítima como uma “Vênus lasciva”.

A tese da legítima defesa da honra dizia ser possível um homem, em caso de adultério, matar a esposa ou namorada, sob alegação de que ela o teria traído.

O caso considerado acintoso gerou ação do movimento feminista, que se mobilizou para refazer a sentença. Carlos Drummond de Andrade, nascido em Minas Gerais como Ângela, em artigo publicado no Jornal do Brasil disse que a “moça continuava sendo assassinada todos os dias e de diferentes maneiras”.

Pois bem, Datena alegou legítima defesa após Pablo Marçal chamá-lo de estuprador.  Disse Datena: “Eu fui atacado de uma forma vil, canalha, absurda. (…) Quem levou  a cadeirada fui eu, por ter sido acusado de um crime hediondo que eu nem passei perto de cometer. Um processo que já está arquivado e que nem falava sobre estupro. Fui acusado de uma forma vil. Isso é a pior cadeirada que um cidadão pode receber”. E completou: “Eu sou homem, por isso dei a cadeirada” (https://oantagonista.com.br/opiniao/datena-ressuscita-o-termo-maldito-legitima-defesa-da-honra-cade-as-feministas/).

O criminalista Alberto Zacharias Toron afirma que Datena pode ser processado pelo crime de lesão corporal e mesmo que alegue legítima defesa, porque foi provocado e mesmo instigado ao embate violento, não cabe, de forma alguma, a tese da legítima defesa da honra. Na melhor das hipóteses para o apresentador-candidato, sua pena pode ser atenuada pelo fato de ter sido provocado (https://www.migalhas.com.br/quentes/415327/datena-x-marcal-quais-as-implicacoes-juridicas-da-cadeirada).

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