Ausência de líderes
Cresci admirando os líderes da oposição ao regime autoritário de 1964. Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Marco Freire e outros próceres do então Movimento Democrático Brasileiro (MDB), a frente partidária que se opunha à Aliança Renovadora Nacional (ARENA), eram, para mim, que descobri muito novo os romances medievais, como cavaleiros andantes.
Lembro de ouvir muito, de meados dos anos 1980 para meados dos anos 1990, que faltavam, no Brasil, lideranças políticas novas, pois as que existiam naquele momento eram oriundas, em sua maioria, do período democrático pós-Estado Novo e pré-regime autoritário de 1964.
Diz-se o mesmo hoje e basta olhar o panorama político para constatar que os postulantes ao cargo de presidente são sexagenários, quando não septuagenários. Não que a velhice os descredencie como líderes e a juventude os credencie, afinal o jovem Nero tocou fogo em Roma e o velho Churchill liderou o mundo civilizado na luta contra a barbárie fascista.
Existiam lideranças novas nos anos 1980-90, como existem hoje. O problema era a qualidade delas. Como as de hoje, que novas ou velhas, têm postura e alcance pedestres.
Entre os anos 1980 e 1990 dizia-se que a falta de lideranças novas era fruto do longo período autoritário iniciado em 1964, responsável por toldar os espaços nos quais líderes são forjados. Pois bem, estamos vivendo a mais longa fase democrática no Brasil, iniciada em 1985, e o quadro político brasileiro é de terra arrasada.
Os candidatos presidenciais, em 1989, eram, em sua maioria, velhos e forjados nas lides políticas anteriores ao golpe de 1964 (Ulisses Guimarães, Aureliano Chaves, Leonel Brizola, Mário Covas, Paulo Maluf)) e alguns poucos nascidos nos embates políticos de fins anos 1970 e início dos anos 1980 (Fernando Collor, Lula, Afif Domingos, Roberto Freire, Enéas). Os dois que seguiram para o segundo foram Collor e Lula, ambos debutando na política partidária quase que ao mesmo tempo, 1979-80.
Trinta e sete anos após Tancredo Neves liderar a frente partidária que pôs a pá de cal definitiva sobre o túmulo do regime nascido em 1964, o Brasil permanece um deserto de homens e ideias, com os candidatos que postulam o Planalto sendo da mesma geração nascida para a política ali pelos anos 1980 – Lula, Ciro Gomes, Jair Bolsonaro. E uma ou outra novidade, nova em idade e velha em ideias.
Faço o paralelo apenas para dizer que a democracia, o pior regime político que existe, excetuando-se todos os demais, como bem disse o maior estadista do século XX, é o ambiente mais propício para o surgimento de lideranças políticas arejadas e saudáveis. Porém, por si só ela não garante isso, como é possível perceber pelo momento que vivemos.
A falta de líderes antenados com um novo mundo é um sintoma da falência completa da democracia brasileira. Há outros.