Dinarte de Medeiros Mariz: o sertanejo revolucionário de 1930

por Sérgio Trindade foi publicado em 29.out.25

Dinarte de Medeiros Mariz nasceu em 23 de agosto de 1903, em Serra Negra do Norte, Seridó do Rio Grande do Norte, e figurou nos anais da política potiguar, fazendo o seu batismo de fogo no movimento revolucionário de 1930.

Poucos aguardavam, frisemos, que aquele comerciante viesse a se tornar um ardoroso revolucionário. Mas as convulsões dos anos finais da República Velha (1889-1930) não escolheram classe ou pedigree com muito rigor; escolheram oportunidade, alianças, descontentamento, e Dinarte, no sertão do Seridó, viu a porta se abrir.

Imagem feita com auxílio de IA

No fim da década de 1920, o Brasil vivia o desgaste da República Oligárquica. A política do café-com-leite fazia água, a crise econômica global sussurrava no horizonte, e a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa emergia como uma alternativa ao bloco paulista-mineiro dominante, aquilo que a história registrou como política do café-com-leite.

O comerciante de algodão Dinarte de Medeiros Mariz, atento observador à distância, tomou a frente do movimento em Caicó, porque viu na Aliança Liberal um apelo renovador. Pôs-se, assim, como adversário de sua parentela que governava o Rio Grande do Norte, ingressando na Aliança Liberal no período imediatamente anterior à eclosão revolucionária.

Se grande parte da historiografia da Revolução de 1930 se concentra em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, há a tentação de esquecer que, no interior do Nordeste, o movimento tomou formas próprias. No Rio Grande do Norte, o rompimento dos barões locais e a mobilização política ganharam versões sertanejas. Dinarte foi uma das peças desse tabuleiro.

Depois da derrota da Aliança Liberal, o sertanejo se fez revolucionário e esteve ao lado do movimento que alçou o gaúcho Getúlio Vargas à Presidência da República.

O impacto do levante no Rio Grande do Norte foi imediato, ainda que contido. Dinarte Mariz participou como colaborador do novo governo, indicado “pelos revolucionários do estado para a prefeitura municipal de Caicó, permanecendo no cargo até 1932”. Não exatamente o Ministério da Fazenda ou algum outro cargo de relevo, mas a prefeitura de Caicó – a qual, para Dinarte não era desprezível. Por isso, ele aceitou e se tornou uma espécie de gestor da transição no interior do estado.

Importante frisar: o Rio Grande do Norte era (e é) um estado de oligarquias, de coronéis, de sertões que não se rendem facilmente à aurora paulista de 1930.

Há trabalhos que reconstroem a Revolução no Rio Grande do Norte que destacam o desarranjo por que passavam as oligarquias potiguares entre o fim dos anos 1920 e o início dos anos 1930. Por isso, os chefes locais, entre os quais Mariz aparecia, não tinham força suficiente para determinar a indicação para chefia estadual.

Daí, Dinarte Mariz fez o uma aliança tática e estratégica, participando da revolução, assumindo um cargo local e aguardou para ver. Ele, o sertanejo, o comerciante de algodão que aderiu à Aliança Liberal, vira prefeito antes de virar qualquer outra coisa, um curioso percurso que remete à máquina do poder local e que se revela na virada de 1930 – menos heroica e mais pragmática.

Como dito, ele assumiu a prefeitura de Caicó em 1930 e lá permaneceu até 1932. A posição era pequena, portanto insuficiente para moldar o Rio Grande do Norte ou mesmo para ter a relevância política que lhe permitisse opinar de forma significativa nessa modelagem. O regime varguista que se seguiu exigia lealdades, clientelas, concessões. O interior do estado, no Seridó, tinha peculiaridades: comércio de algodão, oligarquias menores, disputas locais que não desapareceram com o golpe nacional.

Dinarte tornou-se protagonista de algo maior do que a política de trincheira; o sertão que se moderniza, ainda que a modernização seja ainda tímida, ainda que o poder seja intermediário. Ele faz parte desse mosaico. A ironia do percurso, entretanto, está clara: ele apoiou o movimento, beneficiou dele-se, mas rapidamente se pôs em oposição ao regime que emergiu, conforme está exposto no seu perfil do Senado: “(…) participou da Revolução de 1930 tendo rompido com o sistema revolucionário quando se instalou a ditadura.”  Em outras palavras: ele ajudou a empurrar portas, entrou pela brecha, tomou a prefeitura e, logo depois, disse “esperem um pouco” para o anfitrião. Essa atitude coincide com o que se conhece da política nordestina dos anos 1930-40: revolução era legítima, ditadura não.

Também consta que, em 1932, por causa do seu engajamento na Revolução Constitucionalista de 1932, ele foi preso diversas vezes no Rio de Janeiro, ajudou a criar o Partido Popular (PP) no estado, agremiação de oposição do governo Vargas e fundou o jornal A Razão, periódico vinculado ao PP.

Se o golpe de 1930 abriu caminho para Vargas, para a política de massas, para o rompimento das oligarquias, Dinarte tirou proveito local e, depois, afastou-se alegando que o estava sendo feito não era o que havia sido combinado.

Importante notar que as fontes locais o identificam como líder civil da mobilização no Seridó, colaborando com a junta que administrou o estado entre 6 e 12 de outubro de 1930. Se o período da junta durou poucos dias, o que interessa é simbólico: Dinarte estava no outro lado da mesa do poder local, pela primeira vez não como sujeito passivo ou subordinado, mas como agente. No entanto, pesa contra ele o teto baixo dessa participação: quem assume é prefeito, não interventor estadual; quem mobiliza é interior, não capital; quem pós-1930 se destaca é o regime varguista, e Dinarte se afastou ou foi marginalizado.

A Revolução de 1930 permitiu a Dinarte Mariz entrar na história, em sua versão interiorana. A versão em que assumir uma prefeitura era a glória, e romper com o governo nacional era o ato de independência.

Ele ajudou a derrubar Washington Luís, tomou Caicó, apoiou Vargas, depois quis se dissociar do regime – e o fez antes que muitos oligarcas reagissem. A ambivalência dele revela algo essencial sobre 1930 no Brasil: não foi só São Paulo, nem só Getúlio, nem só militares os que se levantaram quando a oportunidade bateu.

A participação de Dinarte de Medeiros Mariz na Revolução de 1930, portanto, merece duas ressalvas: 1) ele foi agente real e ativo no Rio Grande do Norte, e não apenas figurante; 2) a sua participação teve limites claros: geográficos (Seridó, Caicó), institucionais (prefeitura, não governo estadual), e pós-revolução (ele se afastou do regime). A ironia final é que o vitorioso da revolução – simbolicamente Getúlio Vargas – seguiu para o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, enquanto Dinarte seguiu para a prefeitura de Caicó, e para o jornal, e para a oposição. Um distinto senhor do interior que viu no 1930 uma porta – a qual era um portal. Da História. Esgueirou-se e por ele entrou. O portal, porém, não lhe deu, naquele momento, acesso ao salão principal.

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