Dinarte de Medeiros Mariz: o sertanejo revolucionário de 1930
Dinarte de Medeiros Mariz nasceu em 23 de agosto de 1903, em Serra Negra do Norte, Seridó do Rio Grande do Norte, e figurou nos anais da política potiguar, fazendo o seu batismo de fogo no movimento revolucionário de 1930.
Poucos aguardavam, frisemos, que aquele comerciante viesse a se tornar um ardoroso revolucionário. Mas as convulsões dos anos finais da República Velha (1889-1930) não escolheram classe ou pedigree com muito rigor; escolheram oportunidade, alianças, descontentamento, e Dinarte, no sertão do Seridó, viu a porta se abrir.

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No fim da década de 1920, o Brasil vivia o desgaste da República Oligárquica. A política do café-com-leite fazia água, a crise econômica global sussurrava no horizonte, e a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa emergia como uma alternativa ao bloco paulista-mineiro dominante, aquilo que a história registrou como política do café-com-leite.
O comerciante de algodão Dinarte de Medeiros Mariz, atento observador à distância, tomou a frente do movimento em Caicó, porque viu na Aliança Liberal um apelo renovador. Pôs-se, assim, como adversário de sua parentela que governava o Rio Grande do Norte, ingressando na Aliança Liberal no período imediatamente anterior à eclosão revolucionária.
Se grande parte da historiografia da Revolução de 1930 se concentra em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, há a tentação de esquecer que, no interior do Nordeste, o movimento tomou formas próprias. No Rio Grande do Norte, o rompimento dos barões locais e a mobilização política ganharam versões sertanejas. Dinarte foi uma das peças desse tabuleiro.
Depois da derrota da Aliança Liberal, o sertanejo se fez revolucionário e esteve ao lado do movimento que alçou o gaúcho Getúlio Vargas à Presidência da República.
O impacto do levante no Rio Grande do Norte foi imediato, ainda que contido. Dinarte Mariz participou como colaborador do novo governo, indicado “pelos revolucionários do estado para a prefeitura municipal de Caicó, permanecendo no cargo até 1932”. Não exatamente o Ministério da Fazenda ou algum outro cargo de relevo, mas a prefeitura de Caicó – a qual, para Dinarte não era desprezível. Por isso, ele aceitou e se tornou uma espécie de gestor da transição no interior do estado.
Importante frisar: o Rio Grande do Norte era (e é) um estado de oligarquias, de coronéis, de sertões que não se rendem facilmente à aurora paulista de 1930.
Há trabalhos que reconstroem a Revolução no Rio Grande do Norte que destacam o desarranjo por que passavam as oligarquias potiguares entre o fim dos anos 1920 e o início dos anos 1930. Por isso, os chefes locais, entre os quais Mariz aparecia, não tinham força suficiente para determinar a indicação para chefia estadual.
Daí, Dinarte Mariz fez o uma aliança tática e estratégica, participando da revolução, assumindo um cargo local e aguardou para ver. Ele, o sertanejo, o comerciante de algodão que aderiu à Aliança Liberal, vira prefeito antes de virar qualquer outra coisa, um curioso percurso que remete à máquina do poder local e que se revela na virada de 1930 – menos heroica e mais pragmática.
Como dito, ele assumiu a prefeitura de Caicó em 1930 e lá permaneceu até 1932. A posição era pequena, portanto insuficiente para moldar o Rio Grande do Norte ou mesmo para ter a relevância política que lhe permitisse opinar de forma significativa nessa modelagem. O regime varguista que se seguiu exigia lealdades, clientelas, concessões. O interior do estado, no Seridó, tinha peculiaridades: comércio de algodão, oligarquias menores, disputas locais que não desapareceram com o golpe nacional.
Dinarte tornou-se protagonista de algo maior do que a política de trincheira; o sertão que se moderniza, ainda que a modernização seja ainda tímida, ainda que o poder seja intermediário. Ele faz parte desse mosaico. A ironia do percurso, entretanto, está clara: ele apoiou o movimento, beneficiou dele-se, mas rapidamente se pôs em oposição ao regime que emergiu, conforme está exposto no seu perfil do Senado: “(…) participou da Revolução de 1930 tendo rompido com o sistema revolucionário quando se instalou a ditadura.” Em outras palavras: ele ajudou a empurrar portas, entrou pela brecha, tomou a prefeitura e, logo depois, disse “esperem um pouco” para o anfitrião. Essa atitude coincide com o que se conhece da política nordestina dos anos 1930-40: revolução era legítima, ditadura não.
Também consta que, em 1932, por causa do seu engajamento na Revolução Constitucionalista de 1932, ele foi preso diversas vezes no Rio de Janeiro, ajudou a criar o Partido Popular (PP) no estado, agremiação de oposição do governo Vargas e fundou o jornal A Razão, periódico vinculado ao PP.
Se o golpe de 1930 abriu caminho para Vargas, para a política de massas, para o rompimento das oligarquias, Dinarte tirou proveito local e, depois, afastou-se alegando que o estava sendo feito não era o que havia sido combinado.
Importante notar que as fontes locais o identificam como líder civil da mobilização no Seridó, colaborando com a junta que administrou o estado entre 6 e 12 de outubro de 1930. Se o período da junta durou poucos dias, o que interessa é simbólico: Dinarte estava no outro lado da mesa do poder local, pela primeira vez não como sujeito passivo ou subordinado, mas como agente. No entanto, pesa contra ele o teto baixo dessa participação: quem assume é prefeito, não interventor estadual; quem mobiliza é interior, não capital; quem pós-1930 se destaca é o regime varguista, e Dinarte se afastou ou foi marginalizado.
A Revolução de 1930 permitiu a Dinarte Mariz entrar na história, em sua versão interiorana. A versão em que assumir uma prefeitura era a glória, e romper com o governo nacional era o ato de independência.
Ele ajudou a derrubar Washington Luís, tomou Caicó, apoiou Vargas, depois quis se dissociar do regime – e o fez antes que muitos oligarcas reagissem. A ambivalência dele revela algo essencial sobre 1930 no Brasil: não foi só São Paulo, nem só Getúlio, nem só militares os que se levantaram quando a oportunidade bateu.
A participação de Dinarte de Medeiros Mariz na Revolução de 1930, portanto, merece duas ressalvas: 1) ele foi agente real e ativo no Rio Grande do Norte, e não apenas figurante; 2) a sua participação teve limites claros: geográficos (Seridó, Caicó), institucionais (prefeitura, não governo estadual), e pós-revolução (ele se afastou do regime). A ironia final é que o vitorioso da revolução – simbolicamente Getúlio Vargas – seguiu para o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, enquanto Dinarte seguiu para a prefeitura de Caicó, e para o jornal, e para a oposição. Um distinto senhor do interior que viu no 1930 uma porta – a qual era um portal. Da História. Esgueirou-se e por ele entrou. O portal, porém, não lhe deu, naquele momento, acesso ao salão principal.