Esquerda festiva (2)

por Sérgio Trindade foi publicado em 16.nov.24

Já li a história que segue com dois finais diferentes.

Os anos que se seguiram ao golpe militar de 1964 foram relativamente difíceis até 1968, muito difíceis depois da edição do AI-5, em 1968, e de novo relativamente difíceis depois de 1974, quando Ernesto Geisel assumiu o governo federal e iniciou o processo de abertura política.

Alguns exílios logo após o golpe e muitas perseguições, processos e cassações ocorreram.

Lideranças políticas como João Goulart, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Juscelino Kubitschek e outros tiveram os direitos políticos suspensos. O mesmo ocorreu com jornalistas, intelectuais e militares suspeitos de serem simpáticos a ideias excessivamente liberais ou socialistas.

Um dos cassados foi o deputado da UDN mineira José Aparecido de Oliveira, em cuja casa passaram a se reunir políticos, intelectuais, artistas e jornalistas, “um entra e sai interminável”, como recorda Maria Leonor, sua consorte.

Até que veio o dia 13 de dezembro de 1968 e a mão pesada do Estado ficou ainda mais pesada.

Um dos points preferidos da esquerda carioca era o Antonio’s, bar localizado na rua Bartolomeu Mitre, no Leblon.

Ali a fauna festiva da esquerda se encontrava para, em torno de generosas doses de uísque e alguns petiscos, tecer críticas duras e veladas à ditadura.

Todos sabiam, no início de dezembro de 1968, que o Ministro da Justiça Gama e Silva tinha minuta pronta de um novo e duríssimo ato institucional.

O assunto dominava as rodas de conversas no Antonio’s.

Havia tensão e indignação no ar. E quando a indignação superou a tensão, o jornalista e escritor Otto Lara Resende (pai de André Lara Resende, um dos economistas que se tornariam dali a 26 anos um dos pais do Plano Real) subiu em uma mesa e fez um discurso forte contra a ditadura.

Alertado sobre a provável presença de algum meganha do regime autoritário, Otto foi ainda mais duro nas críticas e terminou gritando: “Não tenho medo de ninguém e para deixar isso bem claro, digo: o meu nome é José Aparecido de Oliveira.”

Horas depois, dois agentes batiam à porta do ex-deputado udenista e o conduziram para prestar declarações.

A outra versão é mais branda e o evento não ocorre em dezembro de 1968, mas em fevereiro do ano seguinte.

Otto sobe em uma cadeira, faz discurso duro contra o duro regime e alertado por um amigo para que tivesse cuidado porque ali ao “lado tem um general que te observa”, eleva o tom e finaliza: “E, para que ninguém tenha dúvidas quanto à minha posição, declaro que me chamo José Aparecido de Oliveira e moro na Rua Guimarães Rosa!”.

O endereço era errado.

Amigos ligaram e contaram em seguida o fato ocorrido no Antonio’s a José Aparecido, que longe dali riu muito da história.

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